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Entre pérolas e abobrinhas, o canto de Tulipa valoriza 'Dancê'


“Começou/ Agora você vai tomar conta de si/ Das pérolas, das abobrinhas, dos abacaxis, dos nós, dos faniquitos”, anunciam os versos de ‘Prumo’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz), promissora faixa de abertura de ‘Dancê’, o terceiro disco da cantora e compositora Tulipa Ruiz, lançado pela Pommelo Produções. E é assim, entre pérolas e abobrinhas (nem sempre saborosas) embaladas por arranjos vigorosos, grooves e metais competentes, que ‘Dancê’ convida o ouvinte a cair na pista de dança imaginada por Tulipa. Autora das onze faixas, dez delas em parceria com o irmão e produtor, Gustavo Ruiz, a artista paulista também assina os desenhos que ilustram o belo projeto gráfico de Tereza Bettinardi. Desde a sua boa estreia, com ‘Efêmera’ (2010), passando pelo bem-sucedido ‘Tudo tanto’ (2012), Tulipa vem se destacando mais pela beleza de sua voz aguda e por suas arejadas interpretações, do que por suas composições. ‘Dancê’ evidencia essa diferença, embora a compositora tenha lá seus bons momentos, como a faixa escolhida para divulgar o álbum, ‘Proporcional’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz), provocante pop que desafia padrões estéticos contemporâneos. “Visto GG, você P/ Cada um tem seu formato”, ensina a canção de suingue contagiante. A elegante suavidade de ‘Tafetá’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz) é realçada pela participação especial de João Donato (voz/ fender rhodes), gênio musical merecidamente reverenciado por cantoras de várias gerações. ‘Elixir’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz) soa interessante pelos versos “Apaga/ Filtra/ manera/ Massageia o esqueleto/ A cuca/ A cabeça/ A Traqueia/ Cotovelo do esqueleto/ A lombriga/ clavícula/ Pé e a costela do esqueleto”, mas deixa a impressão de que poderia ser melhor elaborada. Sensação que permanece em ‘Reclame’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz/ Caio Lopes/ Marcio Arantes/ Luiz Chagas), que também não desenvolve seu interessante tema a contento. A guitarra emblemática de Lanny Gordin embeleza ‘Expirou’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz), faixa em que Tulipa exercita seus vocalizes tão característicos. A pista volta a ficar animada com o pop redondo de ‘Jogo do contente’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz) e de ‘Virou’ (Tulipa Ruiz/ Felipe Cordeiro/ Gustavo Ruiz/ Manoel Cordeiro/ Luiz Chagas), canção em que Tulipa divide os vocais com o cantor e compositor paraense Felipe Cordeiro. Inspirada em ‘Physical’ (Steve Kniper/ Terry Shaddick), sucesso cafona da atriz e cantora australiana Olívia Newton-John no início dos anos 1980, ‘Físico’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo Ruiz) não chega a empolgar e marca o fim da festa, que se prolonga além do necessário com ‘Old Boy’ (Tulipa Ruiz), pontuada pelo sax tenor de Thiago França, momento relax na pista, que se esvazia de vez com a chatíssima ‘Algo maior’ (Tulipa Ruiz/ Gustavo  Ruiz/ Luiz Chagas), faixa aparentemente infindável, que traz a superestimada cantora Juçara Marçal nos vocais. Ainda que a parceria entre os irmãos Ruiz produza bons momentos, ‘Dancê' indica que Tulipa pode – ou deveria – tirar outros compositores para dançar com ela.

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