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Primorosos álbuns de Paulinho da Viola mostram do que é feito o samba


Lançada pela Universal Music, a caixa ‘Ruas que sonhei’ traz dez discos gravados por Paulinho da Viola na década de 1970 pelo selo Odeon, da extinta gravadora EMI, além de um CD de raridades, que inclui desde a faixa-título, retirada de um compacto (1969), até duetos com Elton Medeiros (‘Amor proibido’, 1988) e Marisa Monte (‘Carinhoso’, 2003). Por questões de direito autoral, o disco de estreia do cantor e compositor, ‘Paulinho da Viola’, de 1968, que já apresentava joia do quilate de ‘Coisas do mundo, minha nega’, ficou de fora. O bem-vindo projeto, cuja curadoria é assinada pelo jornalista e escritor Vagner Fernandes, preserva a arte gráfica original, incluindo os rótulos dos antigos LPs. Impressiona a alta qualidade da produção artística de um, então, iniciante sambista. Pensando no presente – e no futuro – sem esquecer o passado, Paulinho da Viola atualizou o samba e choro ao introduzir insuspeitadas dissonâncias (jazzísticas?) nestes gêneros genuinamente brasileiros, em canções primorosas como ‘Sinal fechado’, ‘Num samba curto’, ‘Para um amor no Recife’ e ‘Roendo as unhas’. Mas também fez samba buliçoso e crítico (‘Pode guardar as panelas’, ‘Argumento’), de amor (‘Dança da solidão’, ‘Coração Leviano’) e até ecológico (‘Amor à natureza’). Sem contar a obra instrumental, em que também produziu clássicos como ‘Choro negro’ e ‘Sarau para Radamés’. Instrumentos como bateria, sax, flauta, piano e até cravo (em ‘Para ver as meninas’) surgem em harmonia com cavaquinho, tamborim, pandeiro, surdo, cuíca e caixa de fósforos, sem descaracterizar o samba. Título após título, acompanhamos o futuro mestre marceneiro (nas horas vagas) polir seu canto macio, intimista, e suas composições igualmente elegantes que já nasceram clássicas, como ‘Foi um rio que passou em minha vida’, ‘Para não contrariar você’, ‘Tudo se transformou’ e ‘Nada de novo’, só para citar aquelas gravadas no segundo álbum do artista, ‘Foi um rio que passou em minha vida’, de 1970. Com o olhar refinado de príncipe do samba, o portelense se mostrou cronista de uma gente bamba, que habitava as quadras das escolas de samba nos subúrbios do Rio de Janeiro de outras épocas, em composições como ‘O velório do Heitor’ e ‘No pagode do Vavá’. Os personagens de Paulinho da Viola respiram uma simplicidade que se perdeu, embora esteja registrada em seus verdadeiros instantâneos musicais. Num certo viés, são figuras bem diferentes daquelas retratadas por outros sambistas, a partir dos anos 1980, década em que o samba se transformou novamente, sob a sombra de uma amendoeira, em outro fundo de quintal. Se o compositor brilhava, o intérprete não ficava atrás, dando intepretações definitivas para músicas como ‘Nervos de aço’ (Lupicínio Rodrigues), ‘Lenço’ (Francisco Santana/ Monarco), ‘Meu mundo é hoje’ (José Batista/ Wilson Batista) e ‘Sonho de um carnaval’ (Chico Buarque), entre outras. Novamente em cena, os discos de Paulinho da Viola podem ajudar qualquer pagodeiro equivocado a entender, de fato, do que é feito o samba.

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