Primeiro
disco de Simone Mazzer, ‘Férias em videotape’, lançado pelo selo Pimba,
apresenta uma ótima intérprete, cuja potente voz poderia facilmente leva-la aos
perigosos e sedutores domínios do excesso. Entretanto, Simone mantém as rédeas
de seu canto sempre seguras. Acompanhada pelo trio formado por Marco Antônio
Scolari (piano, teclados, acordeão, vocais, arranjos e direção musical), André
Bedurê (baixo, guitarra e vocais) e Eduardo Rorato (bateria e vocais), além das
participações especiais de Nivaldo Ornelas (sax tenor) e Sacha Amback
(teclados, cordas e efeitos), entre outros, Simone Mazzer atesta em estúdio o
talento musical que exibe há alguns anos em suas apresentações ao vivo. Produzido
por Leonel Pereda, ‘Férias em videotape’ expõe um inteligente repertório, que
equilibra canções menos ou mais conhecidas, sem apelar para a obviedade.
Incluída na novela da TV Globo, ‘Babilônia’, a irresistível ‘Tango do mal’
(Luciano Salvador Bahia) abre os trabalhos. Sem papas na língua, Simone diz a
que veio, num esquentado e irresistível tango atualizado, que ironiza gêneros
musicais esvaziados pelo “império pop liquidação”. ‘Essa mulher’ (Bernardo
Pellegrini) traz o expressivo dueto entre a paranaense Simone e a carioca Elza
Soares, que se mostra em forma na ótima faixa. O vigor interpretativo de Simone
permanece em ‘Estrela blue’ (Maurício Arruda Mendonça), outra faixa certeira.
Pérola do eterno vanguardista Itamar Assumpção (1949 – 2003), ‘Parece que bebe’
ajusta-se perfeitamente à atmosfera do disco e, principalmente, ao canto
irrequieto de Simone. Já a interpretação teatral de ‘Camisa listada’ (Assis
Valente), sucesso de Carmen Miranda (1909 – 1955), pode funcionar nos shows, mas
soa arrastada no disco, que retoma o ótimo ritmo inicial na faixa seguinte.
Lançada por Celso Fonseca no sedutor álbum ‘Paradiso’ (1997), ‘Você não sacou’ reaparece
em pegada pop-roqueira, que valoriza os perspicazes versos de Ronaldo Bastos.
Um acerto e tanto. Ampliando horizontes, Simone refaz com propriedade o pop de
Björk, em ‘Hyper-ballad’, e de Amy Winehouse (1983 – 2011), em ‘Back to black’ (Amy
Winehouse/ Mark Ronson). O hit da cantora e compositora inglesa parece sob
medida para intérpretes intensas de outras latitudes. Não por acaso, a grande Cida
Moreira também gravou a canção em seu ótimo disco ‘Dama indigna’ (2011). A
ambiência teatral continua em ‘Dei um beijo na boca do medo’ (Bernardo
Pellegrini) e em ‘Mente, mente’ (Robinson Borba), gravada por Ney Matogrosso no
pouco conhecido álbum ‘Bugre’ (1986). Sucesso de Ângela Maria em 1958, ‘Babalu’
(Margarita Lecuona), segue cativando cantoras de gerações posteriores, tendo
sido gravado recentemente por Daúde, em ‘Código Daúde’ (2014), e Rita
Benneditto, em ‘Encanto’ (2014). Tal como suas colegas, Simone investe numa
versão moderna do bolero, desta vez, travestido de mambo. A bossa ‘Férias em
videotape’ (Elton Mello/ Silvio Ribeiro/ Simone Mazzer), gravada pelo extinto
grupo paranaense ‘Chaminé Batom’, do qual Simone fez parte na década de 1990,
reaparece em versão emotiva, que encerra o belo álbum. Distante do universo
cool, que padroniza muitos lançamentos musicais contemporâneos, e também dos
arroubos da paixão, que pontuam o repertório monotemático de tantas outras
cantoras/compositoras, Simone Mazzer brilha em sua estreia.
A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital. Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...
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