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Música é coadjuvante em filme sobre Tim Maia

Baseado no livro ‘Vale tudo - O som e a fúria de Tim Maia’, escrito por Nelson Motta, está em cartaz nos cinemas brasileiros ‘Tim Maia’, a cinebiografia do gigante musical da soul music tupiniquim. Dirigido por Mauro Lima, o filme refaz os passos de Tim desde a infância no bairro carioca da Tijuca até sua morte, em 1998. Robson Nunes e Babu Santana interpretam o ‘Síndico’ na juventude e na fase adulta, respectivamente. Enquanto Nunes tem a liberdade de compor um personagem desconhecido do público, Santana encara o desafio de mimetizar o ídolo nacional. Os dois se saem bem, com ligeira vantagem para o primeiro. Entretanto eles não são os únicos protagonistas do longa-metragem, já que Cauã Raymond (Fábio) e Alinne Moraes (Janaína) acompanham o Tim Maia fictício durante praticamente toda a sua trajetória. Coprodutor do filme, Cauã interpreta o cantor paraguaio Fábio, amigo de Tim, que também narra a história através do texto que, por vezes, não parece adequado – há diferenças fundamentais entre o que se escreve para ser lido e o que é escrito para ser ouvido. Sem um estilo definido, a narração, que não foge dos clichês, não é nem engraçada nem emocionante, chegando a ser entediante por causa de certo didatismo. “Condensando” as mulheres de Tim Maia, Alinne Moraes, esposa do diretor, faz de sua Janaína uma personagem sem profundidade, esquemática. Os belos Cauã e Alinne parecem ser estratégica opção mercadológica para manter o padrão Globo Filmes de qualidade, chamariz importante nestes tempos de culto a celebridades. Erro grotesco é a escalação de George Sauma para o papel de Roberto Carlos. O ator cai numa caricatura de causar muita vergonha alheia. Aliás, parece que o diretor resolveu tirar um sarro do Rei, já que, enquanto Robson Nunes e Babu Santana dublam Tim Maia nas cenas musicais, o mesmo não acontece nas cenas do Roberto, quando George soa – literalmente – constrangedor. Roberto Carlos, por sinal, ganha um peso incrível na história. Parece que nada aconteceu na trajetória musical de Tim, antes do seu reencontro com o, então já famoso, amigo da Tijuca. Detalhe: antes de gravar seu primeiro LP, em 1970, Tim Maia gravou sua ‘These are the songs’ em dueto com Elis Regina, no disco da cantora, em 1969. Embora chegue a 1998, ‘Tim Maia’ só avança na história musical do artista até 1978, ano do sucesso ‘Sossego’, deixando explícita a preferência de Mauro Lima por destacar mais a personalidade controversa de Tim do que sua música imprescindível. Não há menção de sucessos como ‘Me dê motivo’ (1983) ou ‘Um dia de domingo’ (1985), o dueto romântico com Gal Costa, entre outros. Mais interessante é mostrar o Tim ladrão, egocêntrico, irascível e, até certo ponto, atrapalhado. O público não vê sua efetiva relação com a música, suas descobertas sonoras nos EUA, por exemplo, sequer são mostradas, ao contrário de seu envolvimento com as drogas. Por que Fábio é quase um personagem principal, enquanto Cassiano (autor de ‘Primavera’) e Hyldon, pilares do soul brasileiro ao lado de Tim, sequer são citados? Por que a banda Vitória Régia e a gravadora de mesmo nome mereceram comentários tão fugazes?  Uma vida não cabe num filme, mas certamente há que se priorizar certas passagens imprescindíveis para a melhor compreensão do produto final. Fazendo da música coadjuvante, ‘Tim Maia’ não consegue abarcar a grandiosidade artística do cantor e compositor Sebastião Rodrigues Maia, o cara que introduziu a soul music no Brasil.

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