Por pouco o centenário de Aracy de Almeida (1914 – 1988) não
passou batido em sua cidade natal, o Rio de Janeiro. A preferida de Noel Rosa,
que chegou a ser chamada de “o samba em pessoa”, ficou conhecida por gerações
mais recentes com a jurada ranzinza de um programa de calouros. Seu requintado
repertório continua ignorado por muitos, graças ao descaso da indústria
fonográfica. Contudo, na noite de 26 de agosto de 2014, outra carioca da gema
subiu ao tradicional palco do Teatro Rival Petrobrás para prestar tributo à
Dama do Encantado. Acompanhada pelo Conjunto Época de Ouro, a sambista Dorina
encarou com valentia o perspicaz roteiro assinado pelo diretor musical, Marcos
Fernando.
“Estou aqui no
tablado/ Feito de ouro e prata”. Os versos de ‘A voz do morto’ (Caetano Veloso)
foram a senha para uma noite especial. Entre música da melhor qualidade, trechos
que uma entrevista de Aracy deixavam transparecer a autenticidade da artista.
Coisa impensável no contexto atual, onde tudo é calculado com precisão
marqueteira. Na primeira parte do espetáculo, composições de Noel, como ‘Eu
vou pra Vila’, ‘Feitio de oração’ (c/ Vadico) e ‘O x do problema’, além de ‘Conversa
de botequim’, cujos versos “qual foi o resultado do futebol”, Dorina concluiu
com um maroto “7x1” digno da homenageada. De Ary Barroso vieram ‘Camisa
amarela’ – presente do compositor mineiro para Aracy – e ‘Eu não sou manivela’,
seguidas por uma contagiante versão de ‘Tenha pena de mim’ (Babaú/ Ciro de
Souza). Um medley de marchinhas carnavalescas de Milton de Oliveira e Haroldo
Lobo, ‘Passarinho do relógio (cuco maluco)’, ‘Miau...Miau’, ‘Tem galinha no
bonde’ e ‘A mulher do leiteiro’, mostraram que nem só de sambas vivia Araca,
que também gravou chorinhos, como ‘Flauta, cavaquinho e violão’ (Custódio
Mesquita/ Orestes Barbosa).
Sozinhos
em cena, os músicos do Época de Ouro não deixaram barato. Entre outros números,
executaram ‘Noites cariocas’, ‘Vibrações’, ‘Doce de coco’, do fundador do
conjunto, o lendário Jacob do Bandolim. Apesar da maestria dos músicos Antônio
Rocha (flauta), Luizinho do Bandolim, Jorginho do Pandeiro, Jorge Filho
(cavaquinho) e Tony 7 cordas, o longo set do Época desviou momentaneamente o
show do seu principal foco: a música de Aracy de Almeida.
Segura
na primeira parte, Dorina pareceu sentir o tempo fora do palco, titubeando em
canções como ‘Quando tu passas por mim’ (Antônio Maria/ Vinicius de Moraes) e
‘Coisas nossas’ (Noel Rosa). Novos acertos surgiram nos tons suaves de ‘Saia do
caminho’ (Evaldo Ruy/ Custódio Mesquita) e nas balançadas ‘Louco (ela é seu
mundo)’ (Henrique Almeida/ Wilson Batista), ‘Cansado de sambar’ (Assis Valente)
e ‘Sambei 24 horas’ (Wilson Batista/ Haroldo Lobo). Cantora e conjunto
brilharam ainda em ‘Adeus’ (Francisco Alves, Ismael Silva, Noel Rosa), ‘Até
amanhã’ (Noel Rosa) e ‘Palpite infeliz’ (Noel Rosa). Que venham novas
apresentações deste belo show-homenagem, a Dama Aracy merece ser lembrada e
reverenciada como grande cantora que sempre foi.
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