Quando
caminhava a passos largos para o pagode romântico e parecia confortavelmente
adaptado ao preguiçoso expediente das regravações, que marcam sua relativamente
curta discografia, Diogo Nogueira surpreende ao lançar 'Bossa negra' (Universal
Music). Dividido com o exímio bandolinista e compositor Hamilton de Holanda, o álbum,
que equilibra material inédito e versões de músicas já conhecidas, desvia da
rota da obviedade a carreira do filho de João Nogueira (1941 – 2000). Ainda que
algumas faixas sejam pra lá de manjadas, como ‘Desde que o samba é samba’
(Caetano Veloso) e ‘Risque’ (Ary Barroso), o repertório soa interessante
justamente por tirar Diogo de sua zona de conforto e, também, pelos espertos arranjos.
Acompanhados pelos músicos Thiago da Serrinha (percussão) e André Vasconcellos
(baixo), Nogueira e Holanda injetam novos timbres e doses de contemporaneidade
no samba. Passando ao largo da reverência extremada sem, contudo, cair no
experimentalismo radical, a dupla busca inspiração nas clássicas composições de
Baden Powell (1937 - 2000) e Vinicius de Moraes (1913 - 1980), os afro-sambas.
Daí a convincente ‘Bossa negra’ (Hamilton de Holanda/ Marcos Portinari/ Diogo
Nogueira) que intitula o CD. Enquanto os versos de ‘Tá’ (Hamilton de
Holanda/ Thiago da Serrinha) se mostram meramente funcionais para a buliçosa
melodia, ‘Bicho da terra’ (Diogo Nogueira/ Bruno Barreto/ Wallace Perez/
Hamilton de Holanda) ecoa o canto das três raças formadoras do “povo de lutar”,
retratado em ‘Brasil de hoje’ (Hamilton de Holanda/ Arlindo Cruz/ Marcos
Portinari/ Diogo Nogueira), faixa que escorrega em clichês. A inquietude da boa
‘Mais um dia’ (Hamilton de Holanda/ Marcos Portinari/ Diogo Nogueira/ André
Vasconcellos/ Thiago da Serrinha) contrasta com a brandura de ‘Doce flor’ (Hamilton
de Holanda/ Marcos Portinari/ Diogo Nogueira/ André Vasconcellos/ Thiago da
Serrinha), a mais delicada das inéditas.
Nitidamente conectada à
famosa parceria de Baden e Vinicius, vem a lume ‘Salamandra', preciosa
inédita de João Nogueira e Paulo César Pinheiro. Diego e Hamilton ainda se
voltam a um dos clássicos de Nogueira e Pinheiro, ‘Mineira’, habilmente reunida
ao ‘Samba de arerê’ (Arlindo Cruz/ Xande de Pilares/ Mauro Jr.). A perspicaz ligação entre o passado e o presente
do samba continua nas faixas ‘Mundo melhor’ (Pixinguinha/ Vinicius de Moraes) e
‘O que é o amor’ (Arlindo Cruz/ Maurição/ Fred Camacho). De inspiração
caymmiana, ‘Até a volta’ (Hamilton de Holanda/ Marcos Portinari/ Diogo
Nogueira) encerra o belo álbum, que certamente deixará boa parte do público que
acompanha o sambista de queixo caído. E não será por seu decantado tipo.
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