Pular para o conteúdo principal

Maria Rita - Esse samba tá diferente



Após o projeto de covers de sucessos de Elis Regina (1945 – 1982), Maria Rita está de volta ao samba. Sete anos separam ‘Coração a batucar’ de ‘Samba meu’, primeira incursão da cantora paulista ao gênero musical que se confunde com a própria identidade musical brasileira. Ela bisa a parceria com Arlindo Cruz, que desta vez divide com Xande de Pilares o posto de compositor mais presente no álbum lançado pela gravadora Universal Music. Mas a assistência dos bambas cariocas não é garantia de faixas animadas, expectativa comum quando se trata de um CD de samba. A estranheza provocada pela capa do disco, um tanto soturna, em aparente dicotomia com o estilo musical, se dissipa logo na primeira audição. Produzido por Maria Rita, ‘Coração a batucar’ se distancia da jovialidade de ‘Samba meu’, do produtor Leandro Sapucahy. O CD de 2007 tinha uma descontração até então pouco usual no trabalho da artista e a aproximou de um público mais jovem. Menos espontâneo, o samba de Maria agora batuca forte nas teclas do piano, onipresente nos arranjos de Jota Moraes.
A primeira faixa, ‘Meu samba, sim, senhor’ (Fred Camacho/ Marcelinho Moreira/ Leandro Fab) afirma que “o bloco está na rua” e “a festa continua”, mas o pagode ‘Saco cheio’ (Dona Fia/ Marcos Antônio), sucesso do disco ‘Suburbano’ (1981) de Almir Guineto, já aparece filtrado por uma sonoridade pretensamente refinada, distante das rodas mais animadas. ‘Fogo no paiol’ (Rodrigo Maranhão) surge mais condizente com a ambiência proposta, assim como ‘Abismo’ (Thiago Silva/ Lele/ Davi dos Santos), dois momentos mais suaves e interessantes. ‘No meio do salão’ (Magnu Souza/ Maurílio de Oliveira/ Everson Pessoa) reaviva a temática de ‘Sem compromisso’ (Nelson Trigueiro/ Geraldo Pereira), sem a genialidade do samba de 1954. Outro clássico, ‘Tudo se transformou’, serve de inspiração para ‘Vai meu samba’, do portelense Noca da Portela (c/ Sérgio Fonseca), sem roçar a beleza dolente do samba de Paulinho da Viola. Com sua melodia repetitiva, realçada pelo arranjo, ‘Abre o peito e chora’ (Serginho Meriti/ Rodrigo Leite/ Cauíque) é daquelas faixas que a gente pula depois de ouvir uma vez. ‘Bola pra frente’ (Xande de Pilares/ Gilson Bernini) tem a marca registrada dos sucessos do Grupo Revelação, assim como ‘Nunca se diz nunca’ (Xande de Pilares/ Charlles André/ Leandro Fab), mas fica a sensação de que falta uma interpretação mais contundente, característica das apresentações ao vivo do grupo.
Primeira faixa de trabalho, ‘Rumo ao infinito’ (Arlindo Cruz/ Marcelinho Moreira/ Fred Camacho) é pequena joia, da mesma safra de ‘Mainha me ensinou’ (Arlindo Cruz/ Xande de Pilares/ Gilson Bernini). O clima esquenta (um pouco) nas duas faixas restantes, a inédita ‘No mistério do samba’ (Joyce Moreno) e ‘É corpo, é alma, é religião’ (Arlindo Cruz/ Rogê/Arlindo Neto), mas é de se pensar no que Beth Carvalho faria com as mesmas. Assim como Maria Rita, a ‘madrinha’ não nasceu no samba, mas soube dele se apropriar com genuína alegria, sentimento que faz falta a um coração que se quer batuqueiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...

Atrás do Trio Elétrico*

A menos de dois meses do Carnaval, os ensaios técnicos na Marquês de Sapucaí e nas quadras das escolas de samba bombam e os blocos de rua se preparam. Mas existe uma turma de foliões que foge da batucada carioca, preferindo o agito baiano, embalados pelos trios elétricos. “Se você for sozinho vai encontrar muito carioca por lá”, diz o comerciante Roberto Alves, 32 anos, apaixonado pelo Carnaval da Bahia. Para ele, falta a organização na folia do Rio. “Fiquei aqui em 2008 e detestei”, conta o moço que participou de sua primeira micareta (Carnaval fora de época) em 1996, em Belo Horizonte. “Tenho uns cem abadás”, gaba-se Roberto, que já garantiu mais alguns para este ano. Outro carioca, Rodrigo Carvalho, 28 anos, começou a pagar pelos abadás em março do ano passado. “Vou para Salvador há quatro anos seguidos. O clima é ótimo, não é pesado como nas raves”, compara ele, que dividirá um apartamento com 14 amigos durante a folia dos trios. “O mais requisitado é o Me Abraça, o abadá cu...