Gilberto
Gil pôs os pés na estrada para a turnê de lançamento do CD ‘Gilbertos samba’
(Sony Music), iniciada no dia 5 de abril no Theatro Net, no Rio de Janeiro. O
tão esperado disco de sambas do cantor e compositor baiano é também uma
homenagem ao conterrâneo João Gilberto. Aos 71 anos, o mais pop dos Doces Bárbaros
parece desacelerar a máquina de hits de outrora no show em que dá voz aos 12 sucessos
do “bruxo de Juazeiro” incluídos no CD, além de outras nove canções. Aos clássicos
como ‘As pés da cruz’ (Marino Pinto/ Zé da Zilda, 1942) e ‘Você e eu’ (Vinicius
de Moraes/ Carlos Lyra, 1961), juntam-se outros como ‘Rosa morena’ (Dorival
Caymmi, 1942) e ‘Chiclete com banana’ (Gordurinha/ Almira Castilho, 1959).
Se
o violão, instrumento adotado a partir da audição de João no rádio, continua
impecável, a voz apresenta falhas, principalmente nas regiões mais graves em que
Gil vem cantando há algum tempo. Ao tentar emular o minimalismo zen do mestre
João, Gilberto soa correto sem, contudo, ser vigoroso como nos tributos
prestados a Luiz Gonzaga (1912 – 1989), em ‘São João vivo’ (2001), e a Bob
Marley (1945 – 1981), em ‘Kaya N'Gan
Daya’ (2002), outras influências na sua obra singular. É fato que há mais de
uma década Gilberto Gil vem se valendo de sua obra monumental para montar
repertórios como os de ‘Eletroacústico’ (2004) e de ‘BandaDois’ (2009).
Logo, músicas como ‘Eu vim da Bahia’ (1965), cantada no recente CD/DVD
‘Concerto de cordas & máquinas de ritmo’ (2012), e ‘Aquele abraço’ (1969)
contribuem para a sensação de déjà vu,
ainda que estejam bem costuradas no roteiro – e de acordo com a expectativa do
público, majoritariamente mais velho, que lotou a casa de espetáculos carioca
na noite de 12 de abril de 2014.
A
companhia de jovens músicos contribuiu para que Caetano Veloso saísse da zona
de conforto, resultando nos três discos que arejaram a sua obra e o
reconectaram com a juventude. Já a presença de Bem Gil (violões, guitarra,
percussão, flauta e MPC), Domenico Lancellotti (bateria, percussão e MPC) e Mestrinho
(acordeom, percussão e MPC) parece não causar efeito semelhante em Gilberto Gil:
as inéditas ‘Rio, eu te amo’ e
‘Gilbertos’ não possuem as cores vivas das composições de outrora.
Não
é fácil bulir em obra tão importante, transformadora da música popular
brasileira, assim como é difícil revisitar um movimento musical tão revisitado
quanto a Bossa Nova. É de se perguntar, por exemplo, o que a sirene “tocada”
por Bem em ‘Desafinado’ (1959) acrescenta ao clássico de Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça?
Embora rico em sons contemporâneos (estranhos?) é clara a importância do
acordeom de Mestrinho nos números musicais que exigem maior malemolência, como
‘Eu sambo mesmo’ (Janet de Almeida, 1946) e ‘O pato’ (Jaime Silva/ Neusa
Teixeira, 1960), recurso dispensável ao canto quente, harmonioso e buliçoso de
João, que naturalmente faz a gente remexer. Com décadas de estrada, Gilberto
Gil tem todo o direito de fazê-lo, mas em ‘Gilbertos samba’, o eterno Doce
Bárbaro brilha mais em músicas como ‘Mancada’ (1967) e ‘Meio de campo’ (1973),
quando deixa de ser o discípulo e vira o mestre, que já é há muito tempo.
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