Dona
da força que vem da raiz, Mariene de Castro lança seu novo CD, ‘Colheita’, via
gravadora Universal Music. Quase dois anos após o tributo a Clara Nunes, a
radiante baiana reaparece em tons mais serenos, e não menos contundentes e
sedutores, na companhia de alguns medalhões da música popular brasileira.
Novamente o conterrâneo Roque Ferreira é o principal fornecedor das canções do
disco, que tenta equilibrar a temática afro-brasileira, característica da
carreira de Mariene, momentos românticos e sambas mais dolentes.
Citando
‘Nem ouro nem prata’ (Ruy Maurity/José Jorge), sucesso popular de Ruy Maurity
em 1976, a filha de Oxum finalmente registra ‘Oxóssi’ (Roque Ferreira/ Paulo
César Pinheiro). O vigoroso tema, presente no roteiro dos shows de divulgação
do ótimo CD ‘Tabaroinha’ (2012), surge pontuado pelo violoncelo de Jacques
Morelenbaum. Primeira faixa divulgada, a incendiária ‘Tirilê’ (Roque Ferreira/Dunga) foi feita sob medida para a vivaz cantora. Melhor dueto do álbum, ‘A
força que vem da raiz’ (Roque Ferreira) traz Mariene e uma luminosa Maria
Bethânia em momento inspirado. As baianas mostram porque, “se o caso é de
samba/ se a roda é de bamba”, elas são as melhores intérpretes da obra de Roque
Ferreira. ‘Mágoa’ (Toninho Geraes/Roque Ferreira), samba dolente que poderia
constar no repertório de Clara Nunes (1942 – 1983), é outro momento de pura
beleza.
A
balada romântica ‘Impossível acreditar que perdi você’ (Márcio Greyck/Cobel),
que desde o seu lançamento, em 1970, vem sendo revisitada por artistas tão
díspares quanto Rosana (1992), Fabio Jr. (1996), Rita Benneditto (1997) e
Verônica Sabino (1999), ganha interpretação correta, embora pareça dispensável
pelo excesso de regravações. Melhor são as escolhas das mais recentes ‘O que é
o amor’ (Arlindo Cruz/Maurição/Fred Camacho), gravada por Maria Rita no disco
‘Samba meu’ (2007), e ‘Retrato da vida’, belíssima parceria de Djavan e
Dominguinhos (1941 – 2013) lançada pelo artista alagoano no álbum ‘Bicho solto
– O XIII’ (1998). A menos conhecida ‘Nós dois’, de Cartola (1908 – 1980) , recebe os adornos
do bandolim de Hamilton de Holanda. Feito para Dona Zica (1913 – 2013), o samba que só foi
gravado pelo próprio Cartola ganha, enfim, um registro contemporâneo e
certamente chegará a muitos ouvidos e corações, graças ao canto doce de
Mariene.
Boa
surpresa é ‘Balancê’, composição da portuguesa Sara Tavares, que entre palmas e
o som de berimbau refaz a conexão Portugal – África – Brasil. A sedução também
dá o tom da brejeira ‘Me beija’ (Arlindo Neto/Marquinhos Nunes/Renatto
Moraes), de levada típica do batuque dos quintais cariocas, e de ‘Eu carrego o
patuá’ (Juninho Thybau/Alexandre Chacrinha/Flavinho Bento), onde Mariene
ressalta sua fé.
Autor
do emocionante samba ‘Amuleto de sorte’, gravado por Mariene em ‘Tabaroinha’,
Nelson Rufino assina a faixa-título, cuja melodia lembra muito outras
composições suas. A participação de Zeca Pagodinho, em cujos discos Nelson aparece com certa assiduidade, contribui para a sensação de déjà vu. Apesar
de afetiva, a participação de Beth Carvalho no batido ‘Samba da bênção’ (Baden
Powell/Vinicius de Moraes) passa do ponto. A “madrinha” faz as vezes de
Vinicius de Moraes nos clássicos pedidos de bênçãos (“Eu, por exemplo, Beth
Carvalho/Cantora, compositora, a branca mais preta do Brasil...”) e cita muita
gente (bamba) que tem a ver com a sua carreira, não com a carreira da
“afilhada”. O samba de enredo ‘Aquarela da Amazônia’ (Toninho Geares/Toninho
Nascimento) encerra os trabalhos com a participação luxuosa da “Tabajara do
samba”, a bateria da Escola de Samba Portela. A boa colheita de Mariene de
Castro deveria fazer parte de qualquer cesta básica deste País.
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