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Entre acertos e descaminhos, Simone chega ao 41º CD, 'É melhor ser'


Entre rotas confortáveis e (des)caminhos de muitas regravações, Simone chega ao 41º álbum da discografia iniciada em 1973. Com produção musical de Bia Paes Leme e arranjos do pianista Leandro Braga, o repertório de ‘É melhor ser’ (Biscoito Fino) reúne músicas de expoentes femininos do ofício de compor, outrora mais ligado ao universo dos homens. A boa ideia esbarra na má escolha de algumas canções pra lá de batidas, como ‘Mutante’ (Rita Lee/Roberto de Carvalho), ‘Só nos resta viver’ (Ângela Ro Ro) e ‘Acreditar’ (Ivone Lara/Delcio Carvalho). As regravações, aliás, pontuam a produção. Bisando a boa receita do interessante álbum anterior, ‘Na veia’ (2009), a baiana volta acertadamente a se debruçar sobre as obras de Adriana Calcanhotto e Marina Lima. Da (cada vez mais cool) artista gaúcha, Simone aquece e injeta cores em ‘Aquele plano para me esquecer’, faixa do CD ‘Micróbio do samba’ (2011). Sua voz calorosa também reacende o ‘Charme do mundo’ de Marina e Antônio Cícero, em releitura com arranjo americanizado.
O piano de Braga, à frente na maioria das faixas, soa (mais) apropriado nas canções aboleradas, tão comuns ao gosto das intérpretes brasileiras com mais anos de estrada. “Bolero só se for de amor”, avisa Simone em ‘Só se for’, sua parceria com Zélia Duncan. Gravada com frescor por outra baiana em 1978, ‘Vida de artista’ (Sueli Costa/Abel Silva) reaparece pela primeira vez em tons sóbrios e elegantes, assim como ‘Descaminhos’ (Joanna/ Sarah Benchimol), sucesso que colocou a carioca Joanna no cenário musical tupiniquim em 1979. 
Simone sobe o tom para dar voz aos enigmáticos versos de ‘Mulher o suficiente’ (Alzira Espíndola/Vera Lúcia Motta), obscura composição lançada por Tetê Espíndola em 1995. Qual seria o sentido de “Sou mulher o suficiente quando faço amor com gente”?
A inédita ‘Haicai’ (Fátima Guedes) e ‘Os medos’ (Joyce Moreno/Rodolfo Stroeter) tiram o disco de certa letargia, enquanto a mediana ‘Trégua suspensa’ (Teresa Cristina/Lulu Queiroga) soa agradável. ‘A propósito’, bilhete escrito pela atriz Fernanda Montenegro, musicado por Simone abre e fecha o CD.
Aos 40 anos de carreira, Simone ensaia avanços estéticos em discos como ‘Seda pura’ (2001) e o já citado ‘Na veia’, para logo em seguida retroceder, se mantendo na zona de conforto encontrada em meados da década de 1990, quando finalmente abandonou as canções popularescas gravadas a partir dos anos 1980, e lançou o ótimo ‘Café com leite’, dedicado à obra de Martinho da Vila. ‘É melhor ser’ não é arrebatador, contudo não desmerece a cantora elegante e segura em que Simone se transformou.

Comentários

Unknown disse…
Fantástico seu comentário crítico, com o qual concordo plenamente.Sou,desde sempre,muito fã de Simone,de quem tenho todos os discos e já assisti a dois shows,ambos muito bons.E irregulares,como tem sido quase todos os discos e,em resumo, a própria carreira desta elegante intérprete.Irregulares e muito bons ao mesmo tempo,o que parece contraditório.Mas,em se tratando de Simone,não me faz a menor diferença:sempre acabo amando tudo o que ela faz, como amo sua interpretação sublime de Jura Secreta, Vento Nordeste, Alma e Pequenino Cão.Interpretações perenes de uma nada pequenina grande artista e mulher.
novoluar disse…
"A cantora elegante e segura" que Simone BASICAMENTE, sempre foi. Pois até nas baladas com excesso de sacarina, há uma forma de dizer, única, sem a vulgaridade e simplismo de colegas de estrada, que hoje parecem pérolas, comparadas com a atual safra 'romântica' do Brasil. "Se transformou" não é bem a palavra.
novoluar disse…
Outra coisa: qual o mistério dos versos de 'Mulher o suficiente'. Haja poesia! (o senso comum) Então, tudo se entende! Por falar nisso... começou bem, mas não podia faltar o 'versinho' dos anos 80, né? É difícil. Muito.

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