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O samba de Alcione transita por vários quintais no ótimo CD 'Eterna alegria'


Depois do belo projeto ‘Duas faces’ (2011), com o qual comemorou seus 40 anos de carreira, Alcione volta a lançar um disco de inéditas. ‘Eterna alegria’ (Marrom Music/ Biscoito Fino), retoma a opção por um repertório mais alegre, já acenada no bom CD ‘Acesa’ (2009). Não espere por uma mudança radical de estilo no álbum que traz arranjos dos experientes Alexandre Menezes, Ivan Paulo, Jorge Cardoso, Julinho Teixeira, Paula Calasans e Zé Américo. O romantismo tão característico está presente em faixas como ‘Sentença’ (Serginho Meriti/ Claudemir/ Ricardo Moraes) e ‘Pontos finais’ (Ana Carolina/ Chiara Chivelo/ Dudu Falcão), impecavelmente interpretadas. O que difere ‘Eterna alegria’ dos discos lançados pela cantora na primeira década deste século, quando fez parte do elenco da gravadora Indie Records, é a qualidade das composições.
A bonita ‘Êh, êh’, feliz parceira inaugural de Djavan e Zeca Pagodinho, conquista o ouvinte logo na primeira audição, graças à perfeita interação entre música e letra. Coisa fina como ‘Por ser mulher’, presente do poeta Jorge Aragão para sua melhor intérprete. Alcione a Aragão fazem parte daqueles encontros antológicos que pontuam a música popular brasileira, como Aracy e Noel, Elizeth e Tom, Gal e Caetano.
Os graves perfeitos da maranhense passeiam com a mesma desenvoltura pela linguagem popular de Arlindo Cruz, em ‘Difícil de aturar’ (com Max Vianna e Fred Camacho) e na belíssima ‘Ogum chorou que chorou’, e pela sofisticação de Francis Hime, autor de ‘Sem palavras’ (com Thiago Amud). O samba da Marrom transita por vários quintais.
A alegria anunciada está presente na divertida ‘A dona sou eu’, de Paulinho Rezende e Nenéo, os mesmos autores do sucesso ‘Meu ébano’ (2005), no clima contagiante da faixa-título, de Julio Alves, Ramirez, Carlos Jr. e Alex Almeida, que também assinam ‘Difícil de aturar’, ou ainda no swing de ‘Produto brasileiro’ (Xande de Pilares/ Gilson Bernini/ Brasil do Quintal), dos versos “já tá provado e decretado que o samba/ é patrimônio cultural desse país”. Alcione também.

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