Na estreia de seu novo show, ‘Carta de amor’,
na noite de domingo, dia 18 de novembro de 2012, Maria Bethânia foi dona
absoluta da cena. Utilizando todo o seu arsenal de poses e gestos teatrais para
compensar certa insegurança com algumas letras lidas em um teleprompter, como a incisiva 'Não enche' (Caetano Veloso), a baiana arrebatou o público que lotou a casa de
espetáculos Vivo Rio, no Aterro do Flamengo (RJ). Semelhante ao imenso tapete
que compõe o cenário assinado por Bia Lessa, Bethânia entrelaçou artesanalmente
trechos de antigas e recentes apresentações, oferecendo ao público uma noite de
‘Canções e momentos’ (Milton Nascimento/ Fernando Brant) sem sobressaltos.
A presença do maestro Wagner Tiso manteve o
costumeiro padrão de qualidade dos shows da cantora, ainda que não tenha gerado uma mudança realmente significativa de sonoridade. O que não chega a ser um
problema afinal, aos 47 anos de carreira, Maria Bethânia está entronizada no
panteão das grandes intérpretes brasileiras, possuindo uma assinatura
indelével. Para seus inebriados fãs pouco importa se as atuais versões de
‘Sangrando’ (Gonzaguinha) e ‘Fera ferida’ (Erasmo Carlos/ Roberto Carlos)
tenham sido registradas com mais vigor nos shows ‘Nossos momentos’ (1982) e ‘As canções que você fez pra mim’ (1994). O importante é acompanhar a estrela em
clássicos como ‘Negue’ (Enzo de Almeida Passos/ Adelino Moreira), ‘Fogueira’
(Angela Ro Ro) e ‘Reconvexo’ (Caetano Veloso).
As dores de amores contidas em ‘Oásis de Bethânia’, lançado em abril deste ano, ganham maior intensidade no palco,
verdadeira casa da teatral artista. Estão lá ‘Salmo’ (Rafael Rabello/ Paulo
César Pinheiro), ‘Casablanca’ (Roque Ferreira) e ‘Barulho’ (Roque Ferreira). Há
espaço ainda para as reminiscências de ‘Velho Francisco’ (Chico Buarque) – com
seu enérgico arranjo assinado por Lenine – e para ‘Calúnia’ (Marino Pinto/ Paulo Soledade), sucesso de Dalva de Oliveira (1917 – 1972), além de ‘Carta de amor’ (Paulo César Pinheiro), momento em que a abelha rainha destila seu fel
com a cumplicidade de seus seguidores.
‘Lua branca’ (Chiquinha Gonzaga), também
retirada do show de 1994, ressurge inebriante, ornada pela linda luz de Tomás
Ribas. Aparentemente feliz e mais à vontade, Bethânia visita o repertório de
Arnaldo Antunes de onde saem as lúdicas ‘A nossa casa’ e ‘A casa é sua’, motivo
para a cantora lembrar sua Santo Amaro da Purificação natal em um medley de
chulas e sambas de rodas.
Entre novidades como a bela inédita ‘Em estado de poesia’ (Chico César) e ‘Quem me leva os meus fantasmas’, do
português Pedro Abrunhosa, autor da emocionante ‘Balada de Gisberta’ gravada no
DVD ‘Amor, festa, devoção’ (2010), ela ainda recupera ‘Minha casa’ (Joubert de
Carvalho), sucesso na voz de Agnaldo Timóteo nos anos 1970 (e revista por Joanna onze anos depois), dando prosseguimento à pesca de canções de apelo popular como 'É o amor' (Zezé Di Camargo), de 'Diamante verdadeiro' (1999), 'Casinha branca' (Gilson/ Joram) e 'Nossa canção' (Luiz Ayrão), de 'Maricotinha ao vivo' (2002) e 'Vai ficar na saudade' (Benito di Paula), do show 'Tempo, tempo, tempo, tempo' (2005).
Acompanhada pelos músicos Gabriel Improta
(violão e guitarra), Paulo Dafilin (violão e viola), Jorge Helder (baixo),
Pantico Rocha (bateria), Marcelo Costa (percussão) e Marcio Mallard (cello) a
cantora vive grandes momentos em ‘Na primeira manhã’ (Alceu Valença) e no
medley que une ‘Festa’ (Gonzaguinha) e ‘Dora’ (Dorival Caymmi). No bis, um dos
pontos altos do show ‘Imitação Da Vida’ (1997), ‘Mensagem’ (Cícero Nunes/ Aldo
Cabral) é relembrada com direito ao texto de Fernando Pessoa. ‘E o mundo não se acabou’ (Assis Valente) e ‘Ela desatinou’ (Chico Buarque), de ‘Drama, luz da noite’ (1973), reaparecem para encerrar o espetáculo, a esta altura
transformado em verdadeira celebração entre a cantora e seu público. Desde que
surgiu na cena artística, há quase 50 anos, Maria Bethânia nunca andou só.
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