“Qual é a cola que juntou essas pessoas
todas?”, pergunta, a certa altura, o Mutante Sérgio Dias Baptista, em
‘Tropicália’, documentário dirigido por Marcelo Machado, em cartaz nos cinemas
brasileiros. Ao focalizar o movimento multicultural encabeçado por Caetano
Veloso e Gilberto Gil no final dos anos 1960, o longa-metragem se apropria da
dinâmica tropicalista, liquidificando imagens, música e personalidades, numa
narrativa peculiar, distante do didatismo comum às produções do gênero. O trabalho
do pesquisador Antônio Venâncio foi essencial. É impactante a sucessão das
preciosas imagens que constituem registros de uma época de efervescência
cultural que logo seria sabotada pela ditadura militar. Mais ainda o efeito
causado pela explosão de cores que toma a tela durante a exibição das
raríssimas cenas de Caetano e Gil cantando para uma multidão de pessoas na Ilha
de Wight (Inglaterra, 1970). Já exilados, os baianos são apresentados pelo
mestre de cerimônias como grandes artistas proibidos de fazer música em seu
próprio país. Além do exílio imposto aos artistas, o contexto político cultural
é delineado através do velório do estudante Edson Luís, assassinado pelos
militares, e pela Passeata dos Cem Mil, ocorrida em 1968. ‘Tropicália’ mostra
ainda a transformação estética de Caetano cantando ‘Alegria, alegria’ de gola
rulê, e de Gil envergando paletó ao defender ‘Domingo no parque’ no Festival da
Record (1967) e o visual hippie-esotérico adotado gradualmente por ambos.
Tradições populares, o iê-iê-iê de Roberto Carlos,
a obra de Hélio Oiticica, a canção de protesto do Teatro Opinião e o cinema
novo, entre outras realizações deglutidas e reprocessadas pelos tropicalistas
são revistas e (algumas) comentadas pelos entrevistados. Entretanto há carência
por uma maior contextualização do período pré-tropicalista e os desdobramentos
do movimento na música popular brasileira. O filme também ignora a atuação de
Gal Costa no Brasil, durante o exílio de Caetano e Gil. Os depoimentos surgem
em off até a metade do documentário, quando os rostos dos sessentões
entrevistados são mostrados em um recurso que provoca certa melancolia,
sobretudo quando a câmera focaliza separadamente Caetano e Gil observando o
registro deles mesmos cantando ‘Back in Bahia’ (Gilberto Gil) na volta do exílio,
em 1972, na Bahia. Sensação que felizmente se dissipa durante os créditos
finais, quando são identificados os registros audiovisuais utilizados, numa
apresentação pop-tropicalista. Entre (alguns) pontos fracos e (muitos) acertos,
‘Tropicália’ é obrigatório para aqueles que apreciam a cultura brasileira –
talvez a cola que juntou tantas pessoas fantásticas.
Comentários
Para tal, o filme malipula imagens e fatos e eclipsa a participação e importancia de Gal Costa no movimento e na crucial batalha travada pela cantora para manter acesa a chama radical do movimento e a memoria afetiva e musical de Caetano e Gil durante o exilio.
O filme tem seu pior momento quando atraves da edição manipula as raras imagens de Caetano, Gil e Gal no palco do festival da ilha de wight e as intercala com entrevistas dos irmãos batista, levando o espectador a acreditar que os mutantes também estavam no palco do festival o que nao é verdade. O diretor parece escolher de proposito as tomadas do palco que focalizam um grupo de amigos dos baianos vestidos de tubos vermelhos e na qual sobressai uma menina em tudo parecida com Rita Lee, com o intuito de passar a impressao que os mutantes tocavam na ilha inglesa. As imagens de Gal cantando ao lado de Gil e depois sentada atras dele tocando instrumentos percussivos foram obviamente descartadas.