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Vander Lee cai no samba sem deixar o romantismo de lado


“Minas Gerais também balança”, afirmou, de modo gaiato, o cantor e compositor Vander Lee na noite de sábado, 25 de agosto de 2012, no início do show ‘Sambarroco’, no Teatro Rival (RJ). Alinhando composições do recém-lançado CD homônimo, como ‘Boramar’, ‘Sambarroco’ e ‘Lado bamba’ (Vander Lee/ Thiago Delegado), com outras gravadas anteriormente, caso de ‘Passional’ e de ‘Baiana cover’, faixas de ‘No balanço do balaio’ (1999), o romântico Vander Lee explicitou o seu (já) longo flerte com o gênero musical mais identificado com o Rio de Janeiro e a Bahia. Sim, Minas sempre balançou e tem, entre seus expoentes, os notórios compositores Ary Barroso (1903 – 1964) e Geraldo Pereira (1918 – 1935) – este último apropriadamente lembrado por Vander Lee em ‘Falsa baiana’, antepassada de sua ‘Baiana cover’.
O bom autor se sobressaiu ao cantor mediano, principalmente nos primeiros números, prejudicados pela dicção linear e pela emissão vocal deficitária do artista, que surgiu meio sem jeito no palco do antigo teatro da Cinelândia. A delicada levada de ‘Terno cinza’ desviou o espetáculo para outras estâncias musicais, servindo de senha para a balada ‘Românticos’, hit mais consistente da carreira de Vander Lee, cantado em uníssono pelo público. A melhor interpretação da noite veio a seguir, em ‘Estrela’, congada magnificamente gravada por Maria Bethânia no CD ‘Encanteria’ (2010). O Brasil interiorano continuou em cena através da panfletária ‘Do Brasil’ (“Esse gigante em movimento/ Movido a tijolo e cimento/ Precisa de arroz com feijão”).
Acompanhado apenas por seu violão, o mineiro finalmente deixou a timidez de lado e entremeou canções “de cortar os pulsos” com comentários bem-humorados. Novamente o compositor ficou em evidência através da bela ‘Iluminados’, gravada por Daniela Mercury, e da doída ‘Mais um barco’, registrada por Alcione. Celebrando a chegada do amor ou lamentando sua partida, Vander Lee constrói histórias de forte identificação popular, sem escorregar no populismo barato. O que talvez tenha contribuído para que sua obra caísse no gosto de cantoras das mais diferentes gerações como Rita Benneditto (ex-Ribeiro), Gal Costa e Elza Soares.
Entre o sotaque caribenho de ‘Chilique’ e as bem-humoradas ‘Tô em liquidação’ e ‘Beleza fria’, há espaço para a resignada ‘Obscuridade’, parceria póstuma de Vander Lee e Cartola. Escolhida pelo mineiro, a soturna letra mais parece ter sido inspirada por outro célebre mangueirense, Nelson Cavaquinho. Tal opção dá pistas sobre a melancolia que permeia parte considerável da obra de Vander Lee.
Se o samba (‘Galo e Cruzeiro’, ‘Vai assombrar porco’ e ‘Sambado’) encerra o espetáculo, a balada volta no bis para arrebatar a plateia com os petardos ‘Onde Deus possa me ouvir’ e a tristíssima ‘Esperando aviões’. Com versos espertos e amorosos, em um estilo peculiar de compor, Vander Lee transita com propriedade entre muitos gêneros da MPB, fazendo música para uma espécie em extinção: os românticos, sejam ou não sambistas.

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