“Não era pra ser assim/ Era pra ser melhor/
Não foi como planejamos/ Mas fugiu do nosso controle”, constatam os versos da
psicodélica ‘Olhar alquimista’, sedutora faixa do CD ‘Sinais dos tempos’, de Zé
Ramalho. O repentista de voz messiânica, autor de clássicos visionários como
‘Vila do sossego’ (1978) e ‘Eternas ondas’ (1980), ressurge ainda mais
solitário, discorrendo sobre a implacável passagem do tempo, mote dos brilhantes
discos de Chico Buarque (‘Chico’) e Gal Costa (‘Recanto’).
Vigésimo sexto álbum de Ramalho, ‘Sinais dos
tempos’ faz inventário existencial, com doses de autocrítica, de sua carreira. “Me
lembro claramente/ De tudo que vivi/ Até a fase negra/ Dela não esqueci”,
assume em ‘Indo com o tempo’, faixa que entrega a sonoridade, alusiva aos primeiros
discos do artista, que permeia as novas canções. Primeiro CD de inéditas de Zé
Ramalho em cinco anos, ‘Sinais dos tempos’ também marca a criação de sua
gravadora, a ‘Avôhai Music’.
Embaralhando notáveis influências, que vão de
Jackson do Pandeiro (1919 – 1982) a Luiz Gonzaga (1912 – 1989), passando por
Beatles, Jovem Guarda e o som progressista do Pink Floyd, Zé Ramalho apresenta
narrativas musicais que repercutem melancolia, solidão e certa inadaptação. Não
chega a ser um “lamento sertanejo”, afinal o trovador nordestino mora no “Sul
maravilha” há mais de três décadas, desde que aportou em terras cariocas, quando
ainda era conhecido como Zé Ramalho da Paraíba. Desde então, entre sucessos
incontestes e experiências musicais nem sempre bem sucedidas, o sertão continuou
intacto em sua obra. "O tempo corre mais ligeiro/ o calendário resumiu-se
a quase um mês/ pelo rio Paraíba viajei de vez", observa em ‘Rio Paraíba’.
Se as transformações físicas intrínsecas à
passagem do tempo são citadas em ‘Sinais’, música escolhida para divulgar o CD,
as recordações da juventude aparecem em ‘Lembranças do primeiro’, cujo furor
remete à ‘Terceira lâmina’ (1981). Os graves soturnos do cantador realçam os
versos surrealistas de ‘O que ainda vai nascer’ e a balada de tons sócio-políticos,
‘Justiça cega’. “Tirem a venda dos olhos da justiça”, brada o autor de
‘Admirável gado novo’ (1979).
Há espaço para um bom xote, ‘Um pouco do que
queira’, e para o galope ‘A noite branca’, referência à ‘Noite preta’ (Zé
Ramalho/ Alceu Valença/ Lula Cortês, 1978), do primeiro disco. A passagem do
tempo ainda está presente em ‘Portal dos destinos’ e na mística ‘Anúncio final’,
que encerra o álbum de acertado tom épico folk,
resultado da feliz parceria entre Zé Ramalho e o coprodutor/ arranjador Robertinho
do Recife.
Reunindo as principais características de sua
obra sem soar antiquado, o CD ‘Sinais dos tempos’ se apresenta como um tratado
reflexivo e sem indulgência do célebre repentista pop da música popular
brasileira, Zé Ramalho.
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