Rita
Lee volta a lançar um álbum de inéditas depois de nove anos. ‘Reza’ chega às
lojas via gravadora Biscoito Fino trazendo quatorze faixas, duas a mais do que
seu antecessor, o excelente ‘Balacobaco’ (2003). A roqueira mais pop do país
novamente se vale de uma baladinha chiclete para conquistar os ouvidos mais
sensíveis às opiniões alheias (e contrárias) em ‘Reza’ (Rita Lee/ Roberto de
Carvalho), oração que bisa o sucesso de ‘Amor e sexo’ (Rita Lee/ Roberto de
Carvalho/ Arnaldo Jabor). Se em sua recente ‘Carta de amor’, Maria Bethânia
avisa que não anda só, citando os santos, orixás e outras divindades, Rita vai
direito a Ele. É a Deus que ela pede proteção contra inveja, macumba, raiva,
praga e veneno de seu interlocutor imaginário. A
inspiração religiosa que já rendeu pérolas como ‘Nave Terra’ (Rita Lee/ Roberto
de Carvalho, 2003), feita em cima da Ave-Maria, também é o mote de ‘Pistis
Sophia’ (Rita Lee). Simulando o sotaque característico do interior paulistano,
Rita encarna um coro de rezadeiras na boa faixa que abre o novo disco.
Sem
abandonar a persona burlesca que interpreta desde os tempos dos Mutantes e
adicionando certa dose de rabugice, a sessentona retoma suas considerações a
respeito da passagem do tempo, das modificações corpóreas e (por que não?)
filosóficas, decorrentes da mesma. ‘Divagando’ (Rita Lee/ Roberto de Carvalho)
Rita comenta sua ‘Vidinha’ (Rita Lee/ Roberto de Carvalho) “de merda” e
conclui: ‘Tô um lixo’ (Rita Lee/ Roberto de Carvalho). Sem traços de
autocomiseração, as três faixas estão entre as melhores de ‘Reza’ graças às
letras bem resolvidas e à sonoridade impressa pelo craque Roberto de Carvalho,
que assina a produção do álbum juntamente com Apollo Nove. Não por acaso, as
músicas reverberam a produção musical assinada por Rita e Roberto na década de
1980, quando dominavam as paradas de sucesso. Neste quesito, ‘Divagando’ se
destaca com sua batida pop-bossanovística rubricada pelo DJ Zegon.
Em
‘As loucas’ (Rita Lee/ Roberto de Carvalho) Rita retoma o discurso feminino/ feminista
para criticar o cinismo do universo masculino onde “eles amam as loucas/ Mas se
casam com outras”. A ambientação
cibernética da fraca ‘Bixo grilo’ (Rita Lee) delimita a perda progressiva de
gás de ‘Reza’, embora a marchinha pós-moderna ‘Paradise Brasil’ (Rita Lee/
Roberto de Carvalho) esboce o contrário. Cabe aqui uma sugestão para os
saudosistas que teimam em ressuscitar a marchinha carnavalesca: com sua sacada
pop, Rita e Roberto produzem o melhor do gênero há pelo menos três décadas. De
‘Lança perfume’ (1980) à ‘A gripe do amor’ (2003).
Enquanto
a melodia da sensual ‘Rapaz’ (Rita Lee/ Roberto de Carvalho) lembra a clássica
‘Amendoim torradinho’ (Henrique Beltrão, 1955), ‘Tutti fuditti’ menciona
explicitamente “Datemi un martelo” (1964), sucesso de Rita Pavone, em seu arranjo. Os trocadilhos mudam de sotaque
em ‘Bagdá’ (“Sadam Hussein pra lá/ Aiatolá pra cá/ Tabouli esfiha kibe húmus
vatapá”), faixa assinada unicamente por Rita, assim como ‘Bamboogiewoogie’.
Nesta, neologismos como “tupini-king-kong” e “babalori xa mego” soam como
clichês antropofágicos. Mais interessante é a roqueira ‘Gororoba’ (Rita Lee/
Roberto de Carvalho) na qual Rita pede ao garçom “Uma Coca-gororoba-Cola”. A
psicodélica faixa instrumental ‘Pow’ (Rita Lee/ Roberto de Carvalho) encerra a
‘Reza’ da mutante Rita Lee. A garota vinda de uma cidade industrial que arejou
os salões da música popular brasileira com seu iê-iê-iê tropicalista.
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