“Brasil, mostra tua cara!”.
Foi cantando o refrão do samba-rock assinado por Cazuza, George Israel e Nilo
Romero que a baiana Mariane de Castro surpreendentemente encerrou o show de
lançamento de seu terceiro disco, ‘Tabaroinha’ (Universal Music), no Teatro
Rival, no Rio de Janeiro (RJ). E que cara linda tem o país cantado pela morena
brejeira! Conjugando diferentes sotaques do samba, Mariene deu à sua taba
maiores dimensões.
O público que lotou a
tradicional casa para assistir ao primeiro show da cantora no Rio, na noite de
02 de maio de 2012, saiu inebriado com a força e a doçura da moça que canta e
dança a ‘Ciranda de Roda’ (Martinho da Vila, 1984), requebra direitinho, ao
contrário da ‘Falsa baiana’ (Geraldo Pereira, 1944), e reverencia seus orixás
como a ‘Guerreira’ (João Nogueira/ Paulo César Pinheiro, 1978) Clara Nunes
(1942 – 1983). Ao encarar o samba que virou assinatura musical da mineira,
Mariene de Castro mostrou-se acertadamente audaciosa, sem medo de comparações
mais óbvias, ressaltando ser “a baiana guerreira, filha de Oxum
com Iansã”, ao modificar os versos finais. Cantando ‘Brasil’, Mariene deixou
claro o viés político que sua arte tem na luta pela liberdade de expressão dos
credos religiosos, assim como Clara Nunes. Coisa de cantora que se garante
desde que surge no palco pela voz e pela encantadora presença cênica.
Auxiliada por uma banda na
qual se destaca a excelente cozinha percussiva, Mariene dispara petardos como
‘A pureza da flor’ (Arlindo Cruz/ Babi/ Jr. Dom, 2006), ‘Filha do mar’ (Flávia
Wenceslau, 2010) e ‘Ilha de Maré’ (Walmir Lima/ Lupa, 1977), criando um clima
quente, harmonioso, buliçoso, que deixa a todos com vontade de sambar.
Com sua fala mansa Mariene
conta histórias tal qual a ‘Tia Nastácia’ de ‘Cantiga pro sinhozinho’ (Dorival
Caymmi, 1977). Relembra o conterrâneo Batatinha (1924 – 1994), autor de
‘Ministro do samba’, em homenagem a Paulinho da Viola e à escola de samba
Portela, que foi a deixa para a participação afetiva da pastora Surica.
Outro portelense, Diogo
Nogueira, divide os vocais com a anfitriã em ‘Um ser de luz’ (João Nogueira,
Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro, 1983), mais uma pinçada do repertório de
Alcione. Além das já citadas ‘Roda ciranda’ e ‘Ilha de Maré’, Mariene buscou na
discografia da maranhense ‘Na paz de
Deus’ (Arlindo Cruz/ Beto Sem Braço/ Sombrinha, 1986) e ‘Não deixe o samba morrer (Edson
Conceição/ Aluísio, 1975).
Vem de ‘Tabaroinha’ um dos
mais bonitos sambas da lavra do compositor baiano Nelson Rufino, ‘Amuleto de
sorte’. Autor de clássicos como ‘Todo
menino é um rei’ (Rufino/ Zé Luiz, 1978) e ‘Vazio’ (1979) (lançados por Roberto
Ribeiro e lembrados na mesma noite por Diogo Nogueira), Nelson atendeu o
convite de Mariene para cantar seu grande samba.
A filha de Oxum brilha ao
interpretar a lavra autoral de Roque Ferreira, principal fornecedor das
apetitosas iguarias musicais que traz em seu tabuleiro. Números como ‘Ponto de
Nanã’, ‘Oxóssi’ (Roque/ Paulo César Pinheiro, 2004), ‘Vi mamãe na areia’ e
‘Prece de pescador’ (Roque/ Jota Velloso, 2004) fazem o público entender a
predileção do compositor por sua musa. A voz quente da tabaroinha enche de
(mais) significados canções como ‘Foguete’ (Roque/ Jota Velloso, 2005), outra
pérola do novo álbum.
Ainda há espaço para
deliciosas versões de ‘Não vou pra casa’ (Antônio Almeida/ Roberto Riberti, 1941), do
repertório do baiano João Gilberto, e até mesmo para ‘Ogum’ (Claudemir/
Marquinhos PQD, 2008), sucesso do carioca Zeca Pagodinho.
Aos quinze anos de carreira, Mariene de Castro
finalmente chegou ao Rio de Janeiro, em noite consagradora no Teatro Rival.
Pela reação calorosa do público, que acompanhou a cantora na maioria dos
números, pode-se afirmar que sua música está por aqui há tempos. Com talento
vocal e inteligência para construir belos repertórios, a jovem baiana tem tudo
para ser a nova sambista que todos procuram há décadas.
Comentários