A controversa experiência de transformar a
buliçosa obra do compositor baiano Roque Ferreira em números sofisticados,
recheados das cordas do excelente Trio Madeira Brasil, realizada no álbum ‘Quando
o canto é reza’ (2010), parece ter deixado marcas indeléveis em Roberta
Sá. Patrocinado pelo projeto Natura Musical, o novo disco da cantora potiguar
radicada no Rio de Janeiro, ‘Segunda pele’ (MP,B Discos/ Universal Music),
retoma a receita da produção musical
contemporânea feita para tocar no rádio. Não há aí nenhum demérito, afinal o
rádio ainda é o veículo ideal de aproximação entre público e cantores. Aos dez
anos de carreira, Roberta ainda não alcançou a desejada projeção nacional –
curiosamente a bela e esguia figura que alguns momentos lembra(va) Marisa Monte
tornou-se uma artista identificada com o
samba carioca, ainda que não tenha feito um movimento radical em direção ao
gênero. Seus discos estão muito mais para uma mistura entre o pop tupiniquim e
a produção da chamada MPB mais tradicional.
O novo trabalho, capitaneado por Rodrigo
Campello (produção e arranjos), que acompanha Roberta desde a estreia
fonográfica com o ótimo ‘Braseiro’ (2005), equaliza autores contemporâneos à
artista, como Rubinho Jacobina (‘Bem a sós’) e João Cavalcanti (‘O nego e eu’),
e os tradicionais Wilson Moreira (o lírico jongo ‘No arrebol’) e Caetano Veloso (a moderna ‘Deixa sangrar’, 1970). Mario Adnet e Humberto Araújo completam o ótimo trio de arranjadores. Ao seguir o
esquema adotado por suas colegas, de olho no mercado latino-americano, Roberta
encara faixa em espanhol com a participação do uruguaio Jorge Drexler, compositor
de ‘Esquirlas’. Acompanhada por Daniel Jobim (piano), ela se rende à balada com
alto potencial radiofônico ‘Você não poderia surgir agora’, do hitmaker Dudu
Falcão, nome recorrente nas discografias de Ana Carolina, Luiza Possi e Jorge
Vercillo. Sua doce voz realça a beleza da faixa evidenciando seu amadurecimento
artístico e a salutar distância do romantismo pretensamente refinado de Marisa
Monte. Aliás, Roberta também se aventura na composição em ‘No bolso’, parceria
com Pedro Luís: “... busco no playlist
algo mais alegre ou coisa que me inspire” dizem os versos urgentes sobre o
cotidiano na cidade grande. Nada de “amor I
love you”, para a alegria de ouvidos cansados de tantas memórias, crônicas
e declarações de amor.
Pedro (em parceria com Mário Sève) ainda
fornece à bela ‘Lua’ que conta com a participação d’A Parede’. A pulsante faixa é
realçada pelo arranjo de cordas do craque Mário Adnet. ‘Altos e baixos’ nada
tem a ver com a homônima parceria de Suely Costa e Aldir Blanc eternizada por
Elis Regina; a faixa composta por Lula e Yuri Queiroga comenta as relações
contemporâneas com o sucesso e/ou seus signos: “Sou a loura da cerveja Schin/
Eu sou a nova coqueluche do inverno/ Pobre feliz de mim!”. Lula assina sozinho ‘Pavilhão de espelhos’.
‘A brincadeira’ (Moreno Veloso/ Quito
Ribeiro/ Domenico Lancellotti) encaixa-se perfeitamente no universo musical de
Roberta, assim como ‘Segunda pele’ (Gustavo Ruiz/ Carlos Rennó). Ainda que não
seja espetacular, o disco cumpre satisfatoriamente seu papel, tornando o
repertório da cantora mais acessível ao público. Enfim, Roberta Sá voltou à sua
zona de conforto, sem que isso represente retrocesso em sua bela e recente carreira.
Comentários