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Moyseis Marques, um sambista sem mania de passado

Chama-se ‘Pra desengomar’ o terceiro disco solo de Moyseis Marques, que marca, ainda, sua estreia na gravadora Biscoito Fino. Identificado com a geração de sambistas surgida na Lapa na década de 1990, o mineiro radicado no Rio talvez seja a voz menos reverente entre seus pares – certamente é uma das melhores. Produzido por Alessandro Cardozo e o próprio Moyseis, ‘Pra desengomar’ tira a excessiva goma da veneração que paralisa o samba em alguns redutos, acertando na sonoridade mais urbana e no ineditismo das canções. Entre violões, pandeiros e tamborins passeia o elegante piano de João Bettencourt.
Desta vez, o lado autoral presente em ‘Moyseis Marques’ (2007) e ‘Fases do coração’ (2009) não dá espaço para regravações; as doze faixas são assinadas por Moyseis, nove em parcerias com Edu Krieger, Moacyr Luz e Zé Renato, entre outros. Embora resvale em temas batidos, mas aparentemente inevitáveis ao gênero, como o malandro da faixa título, ‘Pra desengomar’ (Alfredo Del Penho/ Moyseis Marques), ou as citações afro-brasileiras em ‘Pra ter seu bem-querer’ (Bena Lobo/ Moyseis Marques), o resultado é altamente satisfatório. As sinuosas melodias de ‘Deixa estar’ (Fernando Temporão/ Moyseis Marques) e ‘Piuí’ (João Martins/ Moyseis Marques) são veículos perfeitos para a interpretação segura do cantor. Habilidade reiterada na bonita ‘O lado bom da incerteza’ (Zé Renato/ Moyseis Marques).
Leila Pinheiro abre a lista de participações especiais em ‘Bicho do mato’, uma das duas parcerias com Edu Krieger – a outra é a divertida ‘O badabadá do Talarico’. Os duetos prosseguem com Ana Costa, Moacyr Luz e a veterana Aurea Martins, que reveste de nobreza o samba-choro ‘Como o cravo quer a rosa’ (Moyseis Marques), feito em sua homenagem.
Na arejada produção há espaço para outros ritmos. Uma insuspeitada semelhança com o timbre grave de Dominguinhos aparece durante o xote ‘Xodó de lamparina’ (Zé Paulo Becker/ Moyseis Marques). O ijexá ‘Não deu’ (Moyseis Marques) encerra os trabalhos: “Toca um ijexá/ Porque o samba que eu fiz/ Não deu pra te agradar”. Engano seu, Moyses.

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