Rosa Passos estreou oficialmente como cantora
e compositora em 1979 com o disco ‘Recriação’, no qual assinava todas as faixas
com o parceiro Fernando Oliveira. Doze anos depois, o título do álbum de
estreia tornou-se uma das principais marcas do estilo da baiana. Rosa não
inventa novos mundos, sua maior habilidade é recriar canções, como ficou claro
em ‘Curare’ (1991). O repertório de clássicos como ‘Tim tim por tim tim’ (Geraldo Jaques/ Haroldo Barbosa) e ‘Fotografia’ (Tom
Jobim), aliado ao seu canto minimalista e à bossa de seu violão, ajudou a dar à
Rosa a alcunha de “João Gilberto de saias”.
Desde então a
cantora vem usando sua voz pequena, de fraseado rítmico sofisticado, a serviço
da reinvenção de músicas quase sempre vinculadas a outras vozes em seus discos
de carreira como ‘Rosa canta Caymmi’ (2000) e ‘Amorosa’ (2004), dedicados a
Dorival Caymmi e João Gilberto, respectivamente, além dos projetos ‘Letra &
Música Ary Barroso - Rosa Passos e Lula Galvão’ (1997) e ‘Rosa Passos canta
Antônio Carlos Jobim – 40 anos de Bossa Nova’ (1998).
Em seu
décimo-sexto álbum, ‘É luxo só’, lançado em novembro de 2011 pela gravadora
Biscoito Fino, Rosa Passos se debruça sobre o repertório menos evidente de mais
um ícone da música popular brasileira: Elizeth Cardoso (1920 – 1990).
Utilizando o filtro estético de João Gilberto, Rosa apresenta ao ouvinte uma
das facetas de Elizeth, cantora da velha guarda que melhor se adaptou as
transformações musicais ocorridas com o advento da Bossa Nova, ainda que não
tenha aderido ao movimento. Curiosamente, seis das dez faixas de ‘É luxo só’ já
foram gravadas por Gal Costa, célebre discípula de João que expandiu seu canto para
além da bossa.
Acompanhada pelos
talentosos Lula Galvão (violão/ arrajnos), Jorge Helder (contrabaixo) e Rafael
Barata (bateria), ela retira o drama característico de ‘Último desejo’ (Noel
Rosa) e ‘Saia do caminho’ (Custódio Mesquita/ Evaldo Rui) e injeta sonoridade
jazzística, distanciando-se (ainda mais) dos registros da Divina, intéprete de
voz quente, afinadíssima e de grande extensão, capaz de gravar com o mesmo
apuro as ‘Bachianas brasileiras’ de Villa-Lobos e ‘Eu bebo sim’ (Luiz Antônio)
– esta última, ousadia impensável em tempos de correção política.
Ainda que
suavizado, o batuque de ‘Olhos verdes’ (Vicente Paiva), sucesso de Dalva de
Oliveira (1917 – 1972) é mantido, enquanto ‘Três apitos’ (Noel Rosa) ganha
interpretação e arranjo ralentados, assim como as pungentes ‘As rosas não
falam’ (Cartola) e ‘Acontece’ (Cartola) são traduzidas para a peculiar linguagem
cool da cantora.
‘É luxo só’ (Ary
Barroso/ Luiz Peixoto) reaparece em versão menos sincopada do que a do disco
‘Pano pra manga’, lançado por Rosa em 1986, mas ao lado de ‘Palhaçada’ (Haroldo
Barbosa/ Luiz Reis), ‘O amor e a rosa’ (Pernambuco/ Antônio Maria) e ‘Diz que
fui por aí’ (Zé Ketti) constitue os melhores momentos do novo álbum. Por não
necessitarem de intensidade dramática na interpretação, as referidas faixas
servem de veículo para o característico balanço suingado de Rosa, tão ao agrado
do mercado internacional onde sua carreira deslanchou.
Ao transpor o repertório de Elizeth Cardoso
para seu ambiente essencialmente jazzístico, Rosa Passos mantém-se confortável.
Ainda que não arrebate, ‘É luxo só’ agradará os fãs do canto suave e elegante
da baiana.
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