Aos 44 anos de idade e 22 de carreira, após cinco anos de silêncio, quebrado apenas em raras aparições públicas, Marisa Monte está lançando seu oitavo disco. Parece pouco para quem surgiu seduzindo o público – e os chamados formadores de opinião – no LP ‘MM’, em 1989. Mas não é, pois desde o seu surgimento ela ocupa um lugar único na música brasileira. Ao misturar os irmãos Gershwin, Tim Maia, Luiz Gonzaga, compositores de sambas de enredo e resgatar acertadamente canções da MPB, Marisa revigorou o disco com repertório “eclético”, que passou a ser seguido por nove entre dez cantoras brasileiras desde então. A compositora, apresentada na faixa ‘Beija eu’, no segundo disco, ‘Mais’ (1991), também virou modelo entre as novatas, tornando-se indissociável da intérprete nos álbuns seguintes.
Confortável em sua condição de musa da contemporaneidade, Marisa reaparece com ‘O que você quer saber de verdade’, álbum sucessor dos gêmeos ‘Infinito particular’ e ‘Universo ao meu redor’, de 2006. Como uma sereia neo-hippie, esta sedutora voz da música popular brasileira volta a encantar seu público propondo um modo de vida simples, livre, distante da realidade acelerada dos nossos dias. “Solte os seus cabelos ao vento/ não olhe para trás/ ouça o barulhinho que o tempo/ no seu peito faz/ faça a sua dor dançar”, sugerem os versos de ‘O que você quer saber de verdade’ (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown/ Marisa Monte). O universo ao redor da cantora permanece onírico em ‘Seja feliz’ (Arnaldo Antunes/ Marisa Monte) e ‘Nada tudo’ (André Carvalho) dos desapegados versos "Nada, nada, nada/Tudo, tudo, tudo/ nada e tudo, eu não sei mais/o que não é inteiro".
Seguindo o caminho assumido em ‘Memórias, crônicas e declarações de amor’ (2000), Marisa derrama romantismo com jeito de anos 1970 durante a quase totalidade dos 45 minutos do CD. Se ‘Amor I Love you’ (Carlinhos Brown/ Marisa Monte) caberia no repertório de Adriana, a cantora rotulada como brega, a nova ‘Ainda bem’ (Marisa Monte/ Arnaldo Antunes) parece ter saído diretamente de um disco da dupla Jane e Herondi.
Tentando refinar canções de amor que seriam facilmente classificadas como cafonas na voz de outros intérpretes, Marisa celebra os encontros e desencontros amorosos com um estilo todo próprio. “O meu coração/ já estava acostumado/ com a solidão/ quem diria que ao meu lado/ você iria ficar”, diz em ‘Ainda bem’ (Arnaldo Antunes/ Marisa Monte), pueril faixa escolhida para divulgar o álbum. Com aguçado sentido de oportunidade, a musa convocou o gladiador do século XXI, Anderson Silva, para bailar com ela no clipe da canção. Elegante, porém insossa, a dança reflete a falta de intensidade do canto amoroso de Marisa.
Há algum tempo, a compositora romântica e um tanto adolescente sobrepujou a interessante intérprete de ‘South América way’ (J.McHugh/ Dubin) e ‘Rosa’ (Otávio de Souza/ Pixinguinha). O resgate da esquecida ‘Descalço no parque’, faixa do segundo disco de Jorge Ben Jor, ‘Bem é samba bom’ (1964), é, não por acaso, o melhor momento do CD, confirmando a habilidade da artista em pescar pérolas esquecidas.
Cercada por antigos companheiros como Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, Marisa amplia o círculo de parceiros trazendo para seu redor o pianista Thomas Bartlett (conhecido como Doveman), o tecladista Money Mark (ex-Beastie Boys) e Gustavo Mozzi, do coletivo argentino Café de Los Maestros – responsável pelo arranjo de ‘Lencinho querido’, versão de Maugeri Neto para ‘El Pañuelito’ (Juan de Dios Filiberto e Gabino Coria Peñaloza), gravada em 1956 por Dalva de Oliveira (1917 – 1972). Pupillo (bateria), Dengue (baixo) e Lúcio Maia (guitarra), da pernambucana Nação Zumbi, Rodrigo Amarante (‘O que se quer) e Marcelo Jeneci (‘Hoje eu não saio não’) também contribuem para a aura hippie-chique de ‘O que você quer saber de verdade’. Contraditória, Marisa exagera nos barulhinhos bons que conflituam com a decantada simplicidade.
Nada disso representa uma guinada estética: tudo está no mesmo lugar, a sonoridade assumidamente pop é semelhante ao trabalho anterior, ‘Infinito particular’ (2006). Talvez porque além de assinar a produção do CD (junto com o baixista Dadi Carvalho), Marisa ainda se desdobre tocando instrumentos (ukulele, percussão, hammond, gaita, bateria, escaleta, violão, stealdrums) e rubrique nove das quatorze faixas.
Desde ‘MM’ tudo é comandado com mão de ferro pela cantora, expert no jogo da mídia. Assim como Chico Buarque, Marisa fez da internet sua aliada na divulgação de ‘O que você quer saber de verdade’ através de seu site e perfis nas redes sociais, confirmando uma tendência cultural. Assim, ela permanece intocada e misteriosa, como convém a uma divindade.
Em seu vilarejo, onde parece ser sempre primavera, com algum leve sofrimento amoroso, Marisa repousa sobre os louros da fama, segura de que o território conquistado durante as duas últimas décadas lhe pertence. Ainda que jovens sereias estejam sempre dispostas a atrair para seus domínios ouvidos ávidos por novidades.
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