Pular para o conteúdo principal

A estranha beleza de Ava


Quatro cabeças decapitadas, aninhadas em suas cabeleiras numa praia deserta compõem a cinematográfica capa de ‘Diurno’, primeiro disco da banda Ava. Impactante, o instantâneo assinado pelo artista plástico Tunga aponta para a principal caraterística das experimentações musicais feitas por Ava Rocha (voz), Daniel Castanheira (bateria, percussões, efeitos eletrônicos), Emiliano 7 (violão e efeitos) e Nana Carneiro da Cunha (violoncelo e vocais): a interação entre som e imagem.
Os versos assinados por Ava e seus parceiros contribuem para a bela estranheza que atravessa o álbum lançado pela gravadora Warner Music na noite de quarta-feira, dia 09 de novembro de 2011, no Galpão das Artes, no Jardim Botânico. Na contramão do almejado espírito cool que paira sobre boa parte da produção musical tupiniquim, a banda Ava soa inquietante: o que poderia surpreender, não fosse a vocalista filha do cineasta Glauber Rocha (1939 – 1981).
Os belos graves exibidos pela voz de contralto de Ava casam-se à perfeição com o personalíssimo repertório que ultrapassa a lavra autoral em momentos certeiros, como na maravilhosa versão de ‘Movimentos dos barcos’ (Jards Macalé/ Capinam), música ligada ao repertório de Maria Bethânia a partir do show-marco ‘Rosa dos ventos’ (1971). A faixa rendeu um clipe igualmente admirável. A arrebatadora criatividade do quarteto muda o andamento de ‘Pra dizer adeus’ (Edu Lobo/ Torquato Neto) durante sua execução, transformando a triste canção de despedida nos igualmente melancólicos tango e marcha-rancho.
Eles convertem, ainda, um trecho do livro ‘Água viva’, de Clarice Lispector (1920 – 1977) e um poema do colombiano Jorge Gaitan Durán (1924 – 1962), ‘Os amantes’, em números musicais de intensa dramaticidade. Lançada por Tim Maia no disco ‘Sufocante’ (1984), a balada ‘Bons momentos’ (Marquinhos/ Michel) também é reprocessada por Ava que encontra no palco seu melhor ambiente. É nele que canções como ‘Doce explosão’ (Ava) e ‘Acorda amor’ (Daniel Castanheira) ganham (mais) intensidade graças ao desempenho performático da cantora, diretora e atriz que encanta a todos com sua voz e com a bela estranheza de seu olhar distante.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...

Atrás do Trio Elétrico*

A menos de dois meses do Carnaval, os ensaios técnicos na Marquês de Sapucaí e nas quadras das escolas de samba bombam e os blocos de rua se preparam. Mas existe uma turma de foliões que foge da batucada carioca, preferindo o agito baiano, embalados pelos trios elétricos. “Se você for sozinho vai encontrar muito carioca por lá”, diz o comerciante Roberto Alves, 32 anos, apaixonado pelo Carnaval da Bahia. Para ele, falta a organização na folia do Rio. “Fiquei aqui em 2008 e detestei”, conta o moço que participou de sua primeira micareta (Carnaval fora de época) em 1996, em Belo Horizonte. “Tenho uns cem abadás”, gaba-se Roberto, que já garantiu mais alguns para este ano. Outro carioca, Rodrigo Carvalho, 28 anos, começou a pagar pelos abadás em março do ano passado. “Vou para Salvador há quatro anos seguidos. O clima é ótimo, não é pesado como nas raves”, compara ele, que dividirá um apartamento com 14 amigos durante a folia dos trios. “O mais requisitado é o Me Abraça, o abadá cu...