Quatro anos após ‘Samba meu’, disco calcado
na batucada carioca que originou show providencialmente rejuvenescedor, Maria
Rita retoma em ‘Elo’, seu recém-lançado CD, certo ar senhoril que caracterizou
seu primeiro e ótimo álbum de estreia. Sem planos de gravar este ano, a cantora
lançou mão de canções que vinha apresentando em show intimista na casa paulista
Tom Jazz para contentar sua gravadora, Warner Music, e os fãs, que esperavam
por um novo trabalho. O samba alegre e jovial deu lugar a interpretações mais
densas, intrínsecas ao canto de Maria Rita. Sua notória herança genética está
explícita nas divisões rítmicas e até mesmo nos maneirismos, como as notas
prolongadas e a respiração sempre no limite.
Escolada pelas inevitáveis comparações com a
mãe famosa sofridas no começo da carreira, Maria Rita encara com segurança o
desafio de cantar as conhecidíssimas ‘Menino do Rio’ (Caetano Veloso), ‘A
história de Lilly Braun’ (Edu Lobo/ Chico Buarque), ‘Só de você’ (Rita Lee/
Roberto de Carvalho) e ‘Nem um dia’ (Djavan), além das menos óbvias (e belas)
‘Conceição dos coqueiros’ (Lula Queiroga) e ‘Santana’ (Junio Barreto/ João
Araújo).
A música de Caetano eternizada por Baby do
Brasil ressurge renovada, já Lilly Braun se aproxima da Pagu (Rita Lee/ Roberto
de Carvalho) do CD ‘Maria Rita’ (2003) graças aos arranjos semelhantes. Cantada
em shows antes mesmo da estreia profissional, ‘Só de você’ soa sedutora,
enquanto o sucesso de Djavan ganhou cores gris. Maria Rita retira do altar
erigido pela gravação etérea de Elba Ramalho a ‘Conceição dos coqueiros’ e
deixa ‘Santana’ menos épica do que no registro feito por Gal Costa.
Gravada por encomenda para a novela de
Gilberto Braga, ‘Coração em desalinho’ aparece como faixa-bônus. O canto sério,
por vezes formal, de Maria Rita tirou a leveza característica do samba de
Monarco. Sim, os versos falam sobre a dor de amor, mas a contrastante melodia é
feliz, pra cima.
Esse mesmo canto que a distingue de outras
jovens cantoras (quase todas perseguindo uma estética pretensamente cool) se
adequa perfeitamente a canções mais densas como ‘A outra’ (Marcelo Camelo),
lançada pelo grupo Los Hermanos no CD ‘Ventura’ (2003), e ‘Perfeitamente’ (Fred
Martins/ Francisco Bosco), sobra do álbum ‘Segundo’ (2005).
Acompanhada pelo trio formado por Tiago Costa
(piano), Cuca Teixeira (bateria) e Sylvinho Mazzucca (baixo acústico), Maria
Rita apresenta, ainda, a ótima ‘Coração a batucar’ (Davi Moraes/ Alvinho
Lancellotti) e a mediana ‘Pra matar meu coração’ (Daniel Jobim/ Pedro Baby),
faixa equivocadamente escolhida para divulgar o disco.
Ao abrir mão de novidades nem sempre
interessantes, optando por gravar canções de diferentes épocas sem procurar ser
conceitual, Maria Rita fez um álbum distante do lugar-comum dos projetos que
pululam na discografia de algumas de nossas cantantes. A sonoridade de ‘Elo’
remete aos seus dois primeiros discos, ‘Maria Rita’ (2003) e ‘Segundo’,
trabalhos festejados, sobretudo pelos admiradores da produção musical
brasileira compreendida entre as décadas de 1960 e 1980. Curiosamente, a capa
do álbum também remete a discos lançados neste período.
‘Elo’ reafirma a ligação de Maria Rita com
suas origens, sem mirar novos alvos para sua carreira – o que não diminui sua
importância. Gravando canções de cantoras contemporâneas de Elis Regina (1945 –
1982), ela parece se preparar para encarar o repertório da mãe, em projeto
vindouro.
Dando voz a compositores tão diferentes entre si, sem se aventurar pelo universo autoral, ao contrário da maioria de
suas colegas, Maria Rita valoriza o ofício de cantar, tão caro aos
amantes da música tradicionalmente identificada pela sigla MPB, forjada por
artistas como Elis. Para estes, Maria Rita é o verdadeiro elo.
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