Na apresentação do novo CD de Dori Caymmi, ‘Poesia musicada’ (gravadora Acari Records), Paulo César Pinheiro relembra seu encontro musical com o primogênito dos Caymmi. Iniciada em 1969 com ‘Evangelho’, a parceria rendeu pouco menos de 100 canções (nas contas de Pinheiro) e acaba de ganhar mais um belo capítulo com o lançamento do álbum de 13 faixas assinadas a quatro mãos.
Produzido e arranjado por Dori, ‘Poesia
musicada’ proporciona ao ouvinte uma viagem pelo Brasil distante dos grandes
centros urbanos, banhado pelo mar, onde o vento balança as redes – de pesca e
de esteira. Onde a noite estrelada é convite para o aconchego junto ao
bem-querer. Uma viagem sem riscos pelo cancioneiro característico do século XX,
distinto de boa parte da música produzida atualmente.
Herança do pai, Dorival Caymmi (1914 – 2008),
tão evidente quanto o refinado gosto musical, a voz grave e profunda de Dori é
veículo apropriado para a poesia impregnada de brasilidade de Paulo César
Pinheiro. “Poesia é estrela ar isca/ Tem que ter muito namoro/ Tem que ser
diamante a isca/ Posta num anzol de ouro”, ensina o poeta ao pescador em
‘Estrela verde’.
Valorizada pela melodia e pela interpretação
de Dori, a tocante ‘Velho do mar (meu pai)’ evoca o patriarca dos Caymmi:
“Cantigas praieiras começa a cantar/ E fica pra sempre/ Na praia do sonho/ No
colo moreno/ De outra Iemanjá”. O mestre Dorival e seu universo praieiro
estão presentes em muitas faixas, como em ‘Marinheiragem’ onde a sensualidade
da morena é embalada por arranjo que evoca ‘Caminhos do mar’ (Dorival Caymmi/
Danilo Caymmi/ Dudu Falcão), baião gravado por Gal Costa em 2000, também
arranjado por Dori.
O ‘Canto praieiro’ ainda se espraia pelos
domínios de ‘Dona Iemanjá’ (“Era uma moça encantada/ Tinha um espelho na mão”)
em outro belo momento. Nada surpreendente para quem acompanha a trajetória
desta longeva parceria que produziu clássicos como ‘Desenredo’ e ‘Velho piano’.
O violão inspirado de Dori é acompanhado,
entre outros, por Paulinho da Costa (percussão) e Toninho Ferraguti (sanfona).
Não por acaso, Luciana Rabello (cavaquinho), Ana Rabello (cavaquinho) e Julião
Pinheiro (violão de sete cordas), respectivamente mulher e filhos de Paulo
César Pinheiro, participam do fraternal registro.
Reconhecido por seu gênio e pelas convicções
musicais que o levaram a morar nos EUA desde 1989 (“Em Los Angeles me deixam
fazer música brasileira", disse em uma entrevista), Dori Caymmi brilha (mais
uma vez) como cantor e como arranjador requintado em ‘Poesia cantada’.
Provavelmente não ouviremos nenhuma faixa no rádio. A música feita por Dori e
Pinheiro passa longe da trivialidade dominante nas programações atuais.
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