Originalmente lançado em 2007, o CD ‘Santo e orixá’ (Acari records) trazia 14 afro-sambas inéditos compostos por Paulo César Pinheiro na voz da estreante cantora Glória Bomfim. Repaginado visualmente, com outro título e repertório reduzido para 12 faixas, o disco reaparece agora através da Quitanda de Maria Bethânia, via gravadora Biscoito Fino. ‘Anel de aço’, nome da faixa que passa a abrir o álbum em sua nova versão, nomeia o relançamento que deixou de fora ‘Bambueiro’ e ‘A palma da palmeira’.
Perpetuando a tradição musical brasileira, onde são cíclicas as histórias de intérpretes oriundas das camadas menos favorecidas da população, a mãe-de-santo Glória Bomfim viu seu talento ser observado e reconhecido enquanto trabalhava como doméstica na cada do casal Luciana Rabello e Paulo César Pinheiro. Seu histórico assemelha-se ao de duas personalíssimas estrelas, verdadeiros ícones da cultura afro-brasileira, reveladas tardiamente.
Possuidora de insuspeitada destreza no fraseado rítmico e na emissão vocal, Clementina de Jesus (1901 – 1987) foi descoberta por Hermínio Bello de Carvalho, aos 63 anos. Em seu potente canto ecoavam ancestrais batuques africanos nas mais variadas formas: jongos, lundus, corimas e caxambus.
Bisneta de escravos, Jovelina Pérola Negra (1944 – 1998) surgiu em 1985, no disco ‘Raça brasileira’ (gravadora RGE) em um dueto com outro futuro expoente do samba, Zeca Pagodinho. Graças à voz grave e potente, a exímia partideira despontou para o mundo do samba como herdeira direta de Clementina.
Em seu (até agora) único disco, Glória Bomfim permanece em desvantagem quando (inevitavelmente) é comparada a estas duas colegas. Ao repertório autoral de versões das cantigas apreendidas na infância, Clementina acrescentou composições de Pixiguinha, Hermínio, Paulinho da Viola e João Bosco, entre outros. Mas estas se transformavam em suas: as canções eram recriadas por seu canto.
Nas rodas de samba do Cacique de Ramos e nos pagodes da cidade, Dona Jove moldou seu canto ao mesmo tempo sério e esperto, tornando-se grande versadora de partido-alto.
Talvez o repertório recorrente, centrando no sincretismo religioso, limite a atuação da mãe-de-santo, não obstante sua identificação com o tema. Ou, ainda, o senão esteja nas belas canções de PC Pinheiro que soam corretas, mas sem o impacto causado, por exemplo, pela gravação de ‘Encanteria’ feita por Maria Bethânia em 2009. Seria esse o motivo da redução do repertório? Ainda assim, os ótimos arranjos e o impecável acompanhamento musical valorizam o canto de Glória Bomfim produzindo bons momentos como ‘Santo e orixá’, ‘Encanteria’ e ‘Caboclo Guaracy’.
Consta que, nos anos 1980, a baiana Glória frequentou as rodas de samba na quadra da Portela, onde interpretava clássicos de João Nogueira, Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, entre outros. É hora da boa baiana se aventurar por outros terreiros.
Comentários