Após hiato de 13 anos, Claudia está de volta ao disco. ‘Senhor do tempo – Canções raras de Caetano Veloso’, lançamento da recém-criada gravadora Joia Moderna, traz de volta à cena a cantora injustamente esquecida pelo (muitas vezes cruel) mercado fonográfico (a despeito das escolhas nem sempre acertadas da intérprete ao longo de sua carreira).
Dono da Joia, o DJ Zé Pedro escolheu o repertório junto com o produtor Thiago Marques Luiz. Os arranjos de Rovilson Pascoal, Daniel Bondaczuk e Alex Vianna dão a ‘Senhor do tempo’ sonoridade elaborada – e solene – ajustada ao canto rigoroso de Claudia, distinguida por apurada técnica e extensão vocal.
Reunindo composições pouco conhecidas do baiano de Santo Amaro da Purificação como ‘Duas manhãs’ (gravada por Vanusa, em 1977) e ‘Amo-te (mesmo?) muito’ (lançada pela cantora mineira Aline, em 1979), o disco traz ainda releituras das mais famosas ‘Naquela estação’ (Caetano Veloso/ João Donato/ Ronaldo Bastos) e ‘Menino deus’.
A densa ‘Maria, Maria’ (Caetano Veloso/ Capinam), gravada por Maria Bethânia no icônico disco ‘Recital na Boate Barroco’ (1968), oferece pistas do que está por vir em versos como “No meu corpo, no meu rosto, no que eu canto/ Trago tudo que eu vivi”. Injetando certa dose de formalidade, Claudia dá outra dimensão às canções caetânicas. A dramaticidade ora contida, mas ainda assim (oni)presente no seu canto adapta-se perfeitamente às letras emocionantes de ‘Senhor do tempo’ e de ‘As várias pontas de uma estrela’, parcerias de Caetano e Milton Nascimento que fazem parte da trilha sonora do filme ‘O coronel e o lobisomem’ (2005) e do disco ‘Ânima’, lançado por Milton em 1982, respectivamente. Mais um belo momento do álbum é ‘Naquela estação’, originalmente gravada por Adriana Calcanhotto no disco ‘Enguiço’ (1990). Apoiada no delicado arranjo de Bondaczuk, Claudia injeta melancolia na dose certa aos tristes versos.
Mas esse rigor estilístico também suscita momentos menos inspirados quando a canção demanda certa manemolência, provocação ou mesmo outro tipo de intensidade. Nestes casos estão inseridas ‘Louco por você’, que perde a aura sensual da gravação original de Caetano (‘Cinema transcendental’, 1979), e ‘Pele’ (Maria Bethânia, ‘Talismã’, 1980) que sofre com a baixa temperatura do arranjo de sotaque jazzístico.
Do repertório de Elis Regina, com quem supostamente teria brigado ainda no início da carreira, Claudia resgata ‘Samba da paz’, faixa do disco ‘Elis’, de 1966. Ainda menos conhecida é ‘Luzes’, gravada apenas pelo superestimado e efêmero grupo Nouvelle Cousine no disco ‘Slow Food’ (1991). Belíssimo e solitário lamento, ‘José’, faixa do álbum ‘Caetano’ (1987), ressurge certeiro quase como vinheta com seus 1m11s de duração.
Em ‘Menino deus’ (A Cor do Som, ‘Magia tropical’, 1982), Claudia alcança notas altas, revivendo momentos que lhe valeram o papel de Eva Peron na montagem brasileira do musical Evita, em 1983.
Surgida em 1967, quando seu primeiro disco foi lançado, Claudia foi apresentada recentemente as novíssimas gerações através do sampler de ‘Deixa eu dizer’ (Ronaldo Monteiro de Sousa/ Ivan Lins) na música ‘Desabafo’, de Marcelo D2. Mesmo podendo não agradar os mais descolados, ‘Senhor do tempo’ é disco refinado que repõe nos trilhos a irregular carreira fonográfica de uma grande cantora.
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