Chega às lojas, através da gravadora Biscoito Fino, o DVD ‘Nas rodas do choro’. Dirigido por Milena Sá, o documentário aproxima o espectador do gênero musical genuinamente urbano e brasileiro através das típicas rodas de choro, onde os improvisos são tão ou mais importantes do que as próprias composições.
A descontração peculiar desses encontros musicais norteia o simpático registro iniciado em 2004, quando a diretora ainda frequentava as salas de aula do curso de Cinema e Audiovisual da UFF (Universidade Federal Fluminense). As primeiras imagens foram captadas no I Festival de Choro promovido pela Escola Portátil de Música no município de Mendes, estado do Rio de Janeiro. Ao longo de quatro anos Milena registrou novos encontros, aulas e entrevistas numa abordagem que foge do didatismo e da reverência. Sem que a qualidade final fosse prejudicada, produção e fotografia acompanham esse clima informal exibindo personagens em seus habitats, contribuindo para o tom amistoso.
”Não tem outro jeito de aprender choro. É transmitido dessa maneira, nas rodas de choro, foi assim que a gente aprendeu. Não tem muito que teorizar, é sentar e tocar com os garotos”, resume Luciana Rabello (cavaquinho), uma das artistas que participam de ‘Nas rodas de choro’. Outros instrumentistas de diversas gerações ressaltam a importância desses encontros musicais para a perpetuação do gênero: Joel Nascimento (bandolim), Odette Ernest Dias (flauta), Déo Rian (bandolim), Maurício Carrilho (violão), Zé da Velha (trombone), Silvério Pontes (trompete) e Abel Luiz (cavaquinho). Sente-se a falta do músico Henrique Cazes, destacado nome na divulgação/manutenção do choro.
Fundado em 1964 por Jacob do Bandolim, o conjunto Época de Ouro está representado por Jorginho do Pandeiro e pelo violonista César Faria (1919 – 2007), pai de Paulinho da Vila – responsável pelo retorno do grupo aos palcos em 1973 no famoso espetáculo ‘Sarau’. Na outra extremidade, vemos o grupo carioca ‘Choro na Feira’ em uma de suas famosas apresentações nas manhãs de sábado, na Praça General Glicério, no bairro de Laranjeiras. Formado por Ronaldo do Bandolim (bandolim), Marcello Gonçalves (violão 7 cordas) e Zé Paulo Becker (violão) o ‘Trio Madeira Brasil’ também se destaca na música instrumental brasileira, mostrando que os corações dos chorões continuam batendo firme e forte.
Foi o chorinho que levou a menina Nilze Carvalho a viajar pelo mundo. “Comecei a tocar cavaquinho com cinco anos, aos nove passei para o bandolim. Isso tudo de ouvido”, diz a moça. Contrariando as convenções, a francesa Odette Ernest Dias (flauta) afirma que o choro não é um gênero musical e sim uma maneira de tocar. A generosidade entre chorões é latente nas imagens: mestres e alunos se misturam, esquecendo-se de qualquer hierarquia, o que vale é o prazer de participar das rodas. “No choro não tem esse negócio de dar tom, começa a tocar e corre atrás”, sentencia divertido, Álvaro Carrilho (flauta). Ultrapassando suas origens cariocas, o choro espalhou suas raízes pelo solo brasileiro. Das rodas de Recife surgem Marco César (bandolim) e Bozó 7 Cordas (violão).
Bem vindo, ‘Nas rodas do choro’ pode estimular novas produções cinematográficas que se lancem em outras praias do gênero musical. Originalmente instrumental, o choro viu alguns de seus clássicos receberem letras de João de Barro, Catulo da Paixão Cearense, Hermínio Bello de Carvalho, Vinicius de Moraes, entre outros. Registros assombrosos de ‘Tico tico no fubá’ (Zequinha de Abreu) e ‘Brasileirinho’ (Waldir Azevedo) fizeram de Ademilde Fonseca a “rainha do choro” seguida, anos mais tarde, por Baby Consuelo que fez gravações impecáveis do mesmo ‘Brasileirinho’ e de ‘O que vier eu traço’ (Zé Maria/ Alvaiade). Cantoras como Elizeth Cardoso (‘Doce de coco’) e Gal Costa (‘Noites cariocas’) também se destacaram em algum momento de suas carreiras com o gênero carioca. Não faltam temas para próximos documentários, se possível, tão generosos quanto ‘Nas rodas do choro’.
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