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O (anti)clímax de Marina Lima

Cinco anos após o lançamento de ‘Lá nos primórdios’, interessante disco gerado a partir do show dirigido por Monique Gardenberg, Marina Lima volta em álbum de ambiência incômoda e – novamente – confessional. ‘Clímax’ expõe angústias e questionamentos da cantora e compositora que, ao lado do irmão Antônio Cícero, manteve elevado o nível da DR (discussão do relacionamento) na MPB. Canções que se tornaram clássicos do pop nacional como ‘Acontecimentos’, ‘Virgem’, ‘Eu acredito’ e ‘No escuro’ passam longe das abordagens excessivamente dramáticas e pouco criativas da DR feitas por compositoras surgidas nos últimos anos.
Os tempos são outros. A poesia de Cícero não está presente em ‘Clímax’. Os olhos felizes que refletiam o charme do mundo miram horizontes mais carregados desde que a carioca trocou a ensolarada zona sul do Rio de Janeiro pela capital paulista. A maior cidade do país é musa de ‘#SPFeelings’, uma das sete composições solo de Marina incluídas no novo trabalho. As demais faixas (onze ao todo) trazem parcerias com Adriana Calcanhotto (‘Não me venha com mais amor’), Karina Buhr, Edgard Scandurra e Alex Fonseca (‘Desencantados’), Samuel Rosa (‘Pra sempre’), além da regravação de ‘Call me’ (Tony Hatch), sucesso de Chris Montez em 1965.
‘Não me venha com mais amor’ é poema ao sexo livre das amarras do sentimento romântico exaltado pelos enamorados. Marina volta ao tema que já deu melhores frutos, como ‘Difícil’, faixa do disco ‘Todas’ (1985) onde exaltava: “sexo é bom”. Desta vez as promessas de noites inflamadas da letra soam dèjá-vu: o arranjo e, principalmente a melodia do refrão, plagiam ‘Pierrot do Brasil’, faixa que deu nome ao disco lançado por ela em 1998. A desilusão amorosa ainda é questão em ‘Desencantados’, faixa que junta as vozes de Marina e Karina Buhr, cantora da cena paulista atual, onde a guitarra de Scandura se destaca no bom arranjo.
Desde que perdeu a voz, Marina não sustenta mais a frase melódica. Como recurso, repete trechos dos versos, estendendo-os (quase sempre em sussurros), para que a letra chegue junto ao final da melodia. Isso impede que ela seja naturalmente acompanhada por outras vozes, como fica evidente em seus shows. O mesmo se dá nas participações dos colegas no novo trabalho. ‘A parte que me cabe’, dividida com Vanessa da Mata, torna-se uma embaraçosa perseguição entre as artistas. Samuel Rosa consegue se sair melhor em ‘Pra sempre’, composição com sotaque do Skank, faixa mais radiofônica do CD. A sonoridade eletrônica de ‘Clímax’ contribui para a estranheza de faixas como ‘Doce de nós’ e ‘Lex’.
Surgida no cenário musical brasileiro em 1977, quando Gal Costa gravou ‘Meu doce amor’ (Marina Lima/ Duda Machado) no disco ‘Caras e bocas', Marina Lima se destacou como compositora e intérprete. Suas versões para ‘Solidão’ (Dolores Duran), ‘Mesmo que seja eu’ (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos) e ‘Pessoa’ (Dalto/ Cláudio Rebello) rivalizam com as originais. No país das cantoras, Marina saía-se bem interpretando tanto medalhões como Gilberto Gil (‘Corações a mil’) e Caetano Veloso (‘Nosso estranho amor’), quanto novatos como Kiko Zambianchi (‘Eu te amo você’), Herbert Vianna e Paula Toller (‘Nada por mim’). Desbravando caminhos para as futuras gerações de autoras, teve suas composições gravadas por Gal, Bethânia, Zizi Possi e Ney Matogrosso.
Alçada à condição de diva pop tupiniquim nos anos 1980, Marina Lima consegue, mesmo à meia-voz, manter a aura vanguardista muito mais através de suas exaltadas pose e atitude do que por sua recente produção musical. Saudades da artista de álbuns vibrantes como ‘Virgem’ (1987) e ‘Marina Lima’ (1991), onde amores e suas (im)possibilidades eram retratados por uma cronista aparentemente bem mais feliz, otimista e sedutora.

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