Pular para o conteúdo principal

O som irresistível do trio Les Pops

Há pouco mais de um ano, Rodrigo Bittencourt (voz e guitarra), Daniel Lopes (voz e guitarraxo) e Thiago Antunes (voz, acordeão, ukelele e banjo) vestiram uma ‘Camisa listrada’ (Assis Valente) e saíram por aí. Mas o som do trio (acompanhado pela bateria de Raphael Rapreto) passa longe da obviedade da Lapa sambista. O que o Les Pops faz é um ótimo pop rock recheado de referências e sarcasmo.
Balada que intitula o CD lançado em janeiro deste ano, ‘Quero ser cool’ (Lopes/ Bittencourt), brinca com o ar blasé de certa parcela de habitantes da zona sul carioca – artistas incluídos. “Eu quero ser cool/ Mas não levo jeito”, despista Daniel. Nada mais bandeiroso – e cool – do que a própria negação do estilo. O ex-vocalista da banda Reverse também compôs ‘Aluguel em Abbey Road’, cuja letra zomba da famosa capa do disco lançado pelos Beatles em 1969: “Só sei que o LP catapultou/ o preço do aluguel em Abbey Road”, diz o refrão.
Os versos contraditórios (“Eu quis te matar/ pode acreditar/ quando te vi passar por mim/ tão linda assim”) de ‘Esmalte’ (Bittencourt) roçam a canção popular radiofônica dos anos 70 com inteligência e criatividade. Autor de ‘Samba meu’, que deu título ao álbum gravado por Maria Rita em 2007, Rodrigo é parceiro de Thiago Antunes no reggae ‘Salto agulha’.
Nas citações cinematográficas da irresistível ‘E la nave va’ (Bittencourt) ecoa o suingue carioca da Parede de Pedro Luis, enquanto que o embate amoroso de ‘Batalha naval’ (Lopes/ Mila Bartilotti) acontece sob o signo do rock britânico do Coldplay.
O rockabilly dá o tom de ‘Letícia’ (Antunes/ Fernando Nunes), com sua amarga letra no melhor estilo ‘Vou festejar’, samba de Jorge Aragão: “Mas o seu dia vai chegar e então você vai ver/ do seu veneno vai provar/ e você vai chorar/ você vai sofrer”, vocifera Thiago. O acordeão em ‘Delay’ (Lopes/ Bittencourt) sinaliza um insuspeitado clima nordestino liquidificado pela incisiva polifonia que caracteriza a faixa.
‘Macaco pavão’, inspirada e estranha balada do catarinense radicado em Alagoas, Wado, ganha bela versão, carregada de melancolia. O Les Pops também traz para o seu mundo iconoclasta o supracitado sucesso do centenário Assis Valente (1911 – 1958).
Fã confesso de Caetano Veloso, Rodrigo Bittencourt rebobina em ‘A canção’, o tema de ‘Canção de protesto’, faixa do compositor baiano que abria o disco ‘Amor & Música’ (1987), de Zizi Possi. Os versos criticam o excesso de sentimentalismo da produção musical brasileira: “A canção cansou de dizer coração/ A canção cansou de sofrer por paixão”, diagnostica Rodrigo.
Falando ou não de amor, a canção parece fortalecida com as altas doses de inteligência e ironia de ‘Quero ser cool’, CD sem a aura lírica do incensado ‘Feito pra acabar’, de Marcelo Jeneci, mas tão bom quanto.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...

Atrás do Trio Elétrico*

A menos de dois meses do Carnaval, os ensaios técnicos na Marquês de Sapucaí e nas quadras das escolas de samba bombam e os blocos de rua se preparam. Mas existe uma turma de foliões que foge da batucada carioca, preferindo o agito baiano, embalados pelos trios elétricos. “Se você for sozinho vai encontrar muito carioca por lá”, diz o comerciante Roberto Alves, 32 anos, apaixonado pelo Carnaval da Bahia. Para ele, falta a organização na folia do Rio. “Fiquei aqui em 2008 e detestei”, conta o moço que participou de sua primeira micareta (Carnaval fora de época) em 1996, em Belo Horizonte. “Tenho uns cem abadás”, gaba-se Roberto, que já garantiu mais alguns para este ano. Outro carioca, Rodrigo Carvalho, 28 anos, começou a pagar pelos abadás em março do ano passado. “Vou para Salvador há quatro anos seguidos. O clima é ótimo, não é pesado como nas raves”, compara ele, que dividirá um apartamento com 14 amigos durante a folia dos trios. “O mais requisitado é o Me Abraça, o abadá cu...