“Eu tenho muito mais para dar/ muito mais do que você pode notar”, avisa Patricia Mellodi em ‘Duas ou três coisas’, faixa que abre seu novo álbum, ‘Do outro lado da lua’ (Saladesom records). Radicada no Rio de Janeiro há quase duas décadas, a cantora e compositora piauiense buscou canções adormecidas no fundo do seu baú autoral para compor o painel sentimental que caracteriza o trabalho.
Outrora capitaneada por compositores que apresentavam suas canções através de intérpretes femininas, a música popular brasileira viu a multiplicação de cantoras/compositoras dominar a cena (principalmente) a partir da bem sucedida – e pensada – carreira de Marisa Monte. Se antes poucos eram os expoentes femininos na arte da composição, atualmente é raro encontrarmos uma intérprete que não queira dar voz às próprias palavras. Apesar dessa intensa produção autoral, é sabido que, para furar o bloqueio das viciadas programações das rádios brasileiras, o “pulo do(a) gato(a)” ainda é a regravação de um antigo sucesso assinado por um compositor consagrado. Audaciosa, Patricia Mellodi se joga sem rede: as onze faixas de ‘Do outro lado da lua’ são de sua autoria – as únicas parceiras estão no rock progressivo que dá nome ao disco, um poema da filha, Clara Mello, e no tango ‘Motivos’, com Alexandre Lemos.
Talvez o ecletismo exigido pelo público que frequenta a noite, onde a cantora deu expediente durante anos, explique a presença de ritmos tão distintos como blues, rock, tango, bossa nova e samba no disco. “Nada é de raiz, tudo é inclinação, tudo é intenção”, avisa a moça que já transitou por outras até pela música baiana. Seguindo uma tendência da música popular brasileira contemporânea, Patricia apresenta letras passionais que, em alguns momentos, tocam a produção musical característica de compositores populares como Fernando Mendes, Odair José, Peninha, entre outros que frequentavam as paradas de sucessos nos anos 1970 e 1980. Versos derramados como “Alta madrugada/ E eu aqui sozinha/ Mordendo o telefone pra não te ligar”, da balada ‘Noites em claro’, ou “Os erros por amor já nascem com perdão”, do samba ‘Últimas palavras’, podem não cair no gosto de ouvidos acostumados aos filtros caetânicos que transformaram as bandeirosas ‘Sonhos’ (Peninha) e ‘Você não me ensinou a te esquecer’(Fernando Mendes) em clássicos da MPB. A aura cool perseguida pela nova geração de cantores passa longe das canções. “Ultimamente todo mundo está falando de uma maneira muito suave sobre amor na música popular brasileira”, constatou Mellodi em recente entrevista.
Os arranjos do guitarrista Felipe Eyer, que também assina a produção musical, revestem as músicas de Patricia com dramaticidade adequada ao clima passional de ‘Do outro lado da lua’, destacando-se as faixas ‘Noites em claro’ e ‘Motivos’, esta com participação especial de Marcelo Caldi (acordeão). A tensão se dissipa na bossa ‘Não’, cujos primeiros acordes remetem ao clássico pré-bossanovista ‘Por causa da você’, parceria de Tom Jobim e Dolores Duran – talento surgido nos anos 1950, que abriu frente para outras compositoras brasileiras.
O pop presente em ‘A melhor pessoa’, canção com acento folk que celebra a chegada do novo amor, e em ‘Múltiplo amor’, com a participação de Zeca Baleiro declamando poema do piauiense Mário Faustino, são outros bons momentos que fazem soar sincero o trabalho de Patricia Mellodi.
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