Convidado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria Municipal de Cultura, Marcos Sacramento subiu ao palco do Teatro Carlos Gomes na noite de segunda-feira (28/03/2001) para celebrar o centenário de Assis Valente. Compositor de sambas maliciosos, muitos deles lançados pela musa Carmen Miranda, o mulato baiano chegou ao Rio de Janeiro em 1927, onde viveu até dar cabo da própria vida às vésperas de seu 47º aniversário, bebendo guaraná com formicida.
Transitando pelo ambiente extremamente machista e moralista da boêmia carioca dos anos 1930, 1940 e 1950, Assis vivia reprimindo sua homossexualidade, temendo as maledicências da sociedade da época. A vida dupla – do efêmero casamento arranjado para manter as aparências nasceu sua única filha, Nara – foi retratada em ‘Gosto mais do outro lado’ (1934).
Muitas de suas composições foram feitas sob a ótica feminina: as clássicas ‘Camisa listrada’ (1937), ‘Recenseamento’ (1940) e ‘Fez bobagem’ (1942), além da obscura (mas não menos genial) ‘Amanhã eu dou’ (1942), entre outras. “É o samba que traduz meu prazer e minha dor”, sentenciou em ‘Batuca no chão’ (1945), parceira com Ataulfo Alves.
Misturando amargura e ‘Alegria’ (1937), Assis Valente criou sua batucada injetando altas doses de brejeirice em ‘Maria Boa’ (1936), ‘E o mundo não se acabou’ (1938), ‘Uva de caminhão’ (1939) e na pouco conhecida ‘A Maria é a maior’ (1954).
Carmen foi sua principal intérprete, gravando vinte e cinco composições, entre elas ‘E bateu-se a chapa’ (1935) e ‘Isto não se atura’ (1935), mas a primeira cantora a gravar um samba de Assis Valente foi Aracy Cortes com ‘Tem francesa no morro’ (1932).
O autor de ‘Brasil pandeiro’ (1940) foi gravado por várias cantoras. De Aracy de Almeida a Gal Costa, de Maria Alcina a Zezé Motta. Aparentemente, os sambas buliçosos do centenário compositor não seduziram as novíssimas gerações de intérpretes femininas, cabendo a Marcos Sacramento a honra de traduzir brilhantemente todas as nuances das canções citadas neste texto durante o show.
Acompanhado dos músicos Luiz Flávio Alcofra (violão), Pedro Aune (baixo), Ruy Alvim (sopros) e Netinho Albuquerque (percussão), Marcos mostrou (mais uma vez) seu valor, abusando das síncopes para pontuar a malícia das verdadeiras crônicas de costumes escritas pelo compositor. Valente, Sacramento subiu o tom em alguns números, mostrando habituais domínios vocais e cênicos, na apresentação memorável que merecia registro para a posteridade.
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