Em cartaz desde sexta-feira, 19 de março, ‘Elza’, documentário de Izabel Jaguaribe e Ernesto Baldan, mira na cantora Elza Soares, que completou, em 2010, 50 anos de carreira – contados a partir do lançamento do disco ‘Se acaso você chegasse’. Com depoimentos de Caetano Veloso, João de Aquino, Jose Miguel Wisnik, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Ricardo Cravo Albin e Roberto Silva, entre outros, o longa-metragem foge da esperada narrativa cronológica bastante comum neste gênero cinematográfico.
Focalizando mais a carreira que a vida conturbada da cantora, os cineastas optaram por embarcar no jeito peculiar que Elza tem de (re)contar sua própria trajetória. A mulata de voz roufenha lembra o episódio com Ary Barroso, quando se apresentou (mal vestida) pela primeira vez no famoso programa de rádio do compositor de ‘É luxo só’, com a mesma naturalidade com que fala da conversa que teve com São Jorge na infância e dos discos voadores que sobrevoaram o palco durante um show em Cabo Frio.
Caetano Veloso e o violonista João de Aquino tecem explicações pertinentes sobre a importância da cantora que se recusou a aceitar o caminho (limitador) de porta-estandarte do samba, naturalmente concebido para ela pela indústria fonográfica. Difícil é dissociar a cantora, que esbanja suingue em ‘Se acaso você chegasse’ (Lupicínio Rodrigues) e bossa no balanço zona sul ‘O pato’ (Neusa Teixeira/ Jayme Silva), do seu principal veículo de expressão, o samba – seja de qual for o tipo.
Os duetos com Paulinho da Viola em ‘A flor e o espinho’ (Nelson Cavaquinho/ Guilherme de Brito) e ‘Sei lá Mangueira’ (Paulinho da Viola, Hermínio Bello de Carvalho) atestam o domínio que Elza possui do inebriante ritmo brasileiro. Colecionadora de emoções, a cantora comove na pungente versão de ‘É luxo só’ (Ary Barroso), ainda que sua voz não tenha passado incólume por anos de intensa atividade.
Outras passagens, porém, pecam pelo excesso. Principalmente, o longo e enfadonho dueto com Maria Bethânia em ‘Samba da benção’ (Baden Powell/ Vinicius de Moraes) que termina com a exagerada Elza entoando que a baiana é “deusa”. Bethânia, por sua vez, dá à intérprete de ‘Dor de cotovelo’ (Caetano Veloso) ares de realeza (aparentemente cada vez mais caros à ‘Abelha Rainha’) ao situar Elza Soares na “aristocracia do morro carioca”. Brasileiro na batata é que tem valor, mas pra que discutir com madame?
‘Elza’ apresenta uma até então insuspeitada religiosidade da cantora, filha de Iansã e devota do Santo Guerreiro. Talvez por isso se sobreponham as imagens carregadas de figuras sacras e outras ligadas aos cultos afro-brasileiros em espécies de altar iluminados por dezenas de velas. A quase totalidade das filmagens ocorreu em um ambiente idealizado pelo co-diretor, Ernesto Baldan, que também assina a fotografia.
Em recurso utilizado para acentuar a dramaticidade – como se a voz, o canto, o corpo e a vida de Elza não fossem suficientes –, o vermelho predomina as cenas. Assim, alguns trechos, como o referido registro em preto e branco de ‘Se acaso você chegasse’ e a passagem da cantora por um baile funk, se transformam em verdadeiros respiros no documentário que demorou três anos para ser finalizado por falta de recursos financeiros.
Fugindo do convencionalismo de outros congêneres, ‘Elza’ praticamente ignora a pesquisa documental. Poucos são as imagens de arquivo apresentadas. Mesmo as fotografias que ajudam a compor o estilizado cenário são meros instantâneos dos encontros ocorridos durante as filmagens. A autora de bons sambas como ‘Acorda, Portela’, ‘Enredo de pirraça’ e ‘Perdão, Vila Isabel’ também é ignorada.
Lamentável a ausência de Baby Consuelo, declaradamente influenciada por Elza, de Alcione, citada por Caetano Veloso durante o filme, e (por que não?) de Rita Lee, cantora que está para rock and roll tupiniquim como Elza está para a batucada. Ao ouvir outras pessoas o documentário escaparia da mesmice que tem dominado a escalação de elenco dos filmes sobre música no Brasil.
‘Elza’ dialoga diretamente com aqueles que conhecem a carreira da cantora e sabem por que ela chegou aos dias de hoje com o status de diva, mas deixa poucas pistas para futuras gerações, correndo o risco de ficar datado em pouco tempo. Faltou ousadia na tentativa de captar uma das figuras mais cativantes da música popular brasileira. Ainda assim, na história “baseada em fatos reais (sic)”, a protagonista garante o final feliz.
Focalizando mais a carreira que a vida conturbada da cantora, os cineastas optaram por embarcar no jeito peculiar que Elza tem de (re)contar sua própria trajetória. A mulata de voz roufenha lembra o episódio com Ary Barroso, quando se apresentou (mal vestida) pela primeira vez no famoso programa de rádio do compositor de ‘É luxo só’, com a mesma naturalidade com que fala da conversa que teve com São Jorge na infância e dos discos voadores que sobrevoaram o palco durante um show em Cabo Frio.
Caetano Veloso e o violonista João de Aquino tecem explicações pertinentes sobre a importância da cantora que se recusou a aceitar o caminho (limitador) de porta-estandarte do samba, naturalmente concebido para ela pela indústria fonográfica. Difícil é dissociar a cantora, que esbanja suingue em ‘Se acaso você chegasse’ (Lupicínio Rodrigues) e bossa no balanço zona sul ‘O pato’ (Neusa Teixeira/ Jayme Silva), do seu principal veículo de expressão, o samba – seja de qual for o tipo.
Os duetos com Paulinho da Viola em ‘A flor e o espinho’ (Nelson Cavaquinho/ Guilherme de Brito) e ‘Sei lá Mangueira’ (Paulinho da Viola, Hermínio Bello de Carvalho) atestam o domínio que Elza possui do inebriante ritmo brasileiro. Colecionadora de emoções, a cantora comove na pungente versão de ‘É luxo só’ (Ary Barroso), ainda que sua voz não tenha passado incólume por anos de intensa atividade.
Outras passagens, porém, pecam pelo excesso. Principalmente, o longo e enfadonho dueto com Maria Bethânia em ‘Samba da benção’ (Baden Powell/ Vinicius de Moraes) que termina com a exagerada Elza entoando que a baiana é “deusa”. Bethânia, por sua vez, dá à intérprete de ‘Dor de cotovelo’ (Caetano Veloso) ares de realeza (aparentemente cada vez mais caros à ‘Abelha Rainha’) ao situar Elza Soares na “aristocracia do morro carioca”. Brasileiro na batata é que tem valor, mas pra que discutir com madame?
‘Elza’ apresenta uma até então insuspeitada religiosidade da cantora, filha de Iansã e devota do Santo Guerreiro. Talvez por isso se sobreponham as imagens carregadas de figuras sacras e outras ligadas aos cultos afro-brasileiros em espécies de altar iluminados por dezenas de velas. A quase totalidade das filmagens ocorreu em um ambiente idealizado pelo co-diretor, Ernesto Baldan, que também assina a fotografia.
Em recurso utilizado para acentuar a dramaticidade – como se a voz, o canto, o corpo e a vida de Elza não fossem suficientes –, o vermelho predomina as cenas. Assim, alguns trechos, como o referido registro em preto e branco de ‘Se acaso você chegasse’ e a passagem da cantora por um baile funk, se transformam em verdadeiros respiros no documentário que demorou três anos para ser finalizado por falta de recursos financeiros.
Fugindo do convencionalismo de outros congêneres, ‘Elza’ praticamente ignora a pesquisa documental. Poucos são as imagens de arquivo apresentadas. Mesmo as fotografias que ajudam a compor o estilizado cenário são meros instantâneos dos encontros ocorridos durante as filmagens. A autora de bons sambas como ‘Acorda, Portela’, ‘Enredo de pirraça’ e ‘Perdão, Vila Isabel’ também é ignorada.
Lamentável a ausência de Baby Consuelo, declaradamente influenciada por Elza, de Alcione, citada por Caetano Veloso durante o filme, e (por que não?) de Rita Lee, cantora que está para rock and roll tupiniquim como Elza está para a batucada. Ao ouvir outras pessoas o documentário escaparia da mesmice que tem dominado a escalação de elenco dos filmes sobre música no Brasil.
‘Elza’ dialoga diretamente com aqueles que conhecem a carreira da cantora e sabem por que ela chegou aos dias de hoje com o status de diva, mas deixa poucas pistas para futuras gerações, correndo o risco de ficar datado em pouco tempo. Faltou ousadia na tentativa de captar uma das figuras mais cativantes da música popular brasileira. Ainda assim, na história “baseada em fatos reais (sic)”, a protagonista garante o final feliz.
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