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Emílio Santiago: A sofisticação de um cantor popular

Emílio Santiago (foto: Rita Villani)
Em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até o dia 20 deste mês, a série musical ‘Com você perto de mim’ traz, a cada semana, um artista brasileiro acompanhado por um ou dois músicos, num clima bem intimista. Atração da terceira semana, Emílio Santiago selecionou um repertório quase irretocável conquistando o público que lotou a platéia do pequeno Teatro III na sexta-feira (04 de fevereiro).
Acompanhado pelos músicos Adriano Souza (piano) e Humberto Mirabelli (violão), Emílio destilou elegância em clássicos como ‘Fim de noite’ (Chico Feitosa/ Ronaldo Bôscoli), ‘O que é amar’ (Johnny Alf) e ‘Se é tarde me perdoa’ (Carlos Lyra/ Vinicius de Moraes). Em excelente forma vocal, valorizou a menos conhecida ‘O nosso olhar’ (Sérgio Ricardo). Muito à vontade no palco, Emílio interagiu com o público, relembrando passagens de sua carreira, iniciada na década de 1970, quando chegou às finais do concurso de calouros do programa Flávio Cavalcanti (1923 – 1986), na extinta TV Tupi, de onde saiu contratado por Durval Ferreira, então diretor da gravadora CID. Foi a deixa para cantar ‘Moça Flor’, parceria de Durval e Lula Freire, faixa do excelente e pouco executado CD ‘De um jeito diferente’ (2007). O medley que reuniu ‘Este seu olhar’ (Tom Jobim), ‘Se queres saber’ (Peter Pan) e ‘Alguém como tu’ (José Maria de Abreu/ Jair Amorim) sublinhou a ligação entre o samba-canção e a bossa nova.
O balanço e leveza de ‘Só danço samba’ (Tom Jobim) precedeu o momento ainda mais intimista de ‘Chove lá fora’ (Tito Madi). A emoção dominou a cena quando o cantor narrou um episódio ocorrido com Marisa Gata Mansa (1933 – 2003) e cantou a bela e esquecida ‘Viagem’ (João de Aquino/ Paulo César Pinheiro), maior sucesso de Marisa. Os dois foram colegas, quando Emílio trabalhou como crooner das boates da moda na época.
Incluída no repertório de todos os artistas que participam da série, ‘Corcovado’ (Tom Jobim/ Vinicius de Moraes) traz os versos que deram nome ao projeto e já fora gravada pelo cantor no disco ‘Bossa nova’ (2000). Talvez Emílio seja o melhor intérprete masculino do Maestro Soberano na atualidade.
A interpretação de ‘Tenderly’ (Jack Laurence/ Walter Gross), cheia de nuances e graves perfeitos, reitera a excelência do canto de Emílio. Com a mesma classe, ele interpreta ‘Logo agora’ (Jotabê/ Jorge Aragão), pescada nas rodas de samba do Cacique de Ramos que frequentara. “Quando cheguei lá a Beth (Carvalho) já reinava”, comentou o cantor, um dos primeiros a gravar as composições de Jorge Aragão. Se o bolero ‘Contigo em La distancia’ (Cesar Portillo de La Luz) soa apenas correto, o medley que junta ‘Não quero mais amar a ninguém’ (Cartola/ Carlos Cachaça). ‘Peito vazio’ (Cartola/ Elton Medeiros) e ‘Acontece’ seduz. A inusitada parceria de João Donato e Carlinhos Brown, ‘Um dia desses’, outra faixa de ‘Um jeito diferente’, elevou a temperatura no palco, mas a platéia se “desmanchou” mesmo com a indefectível ‘Gente humilde’ (Garoto/ Chico Buarque).
A noite chegou ao fim com ‘Tudo que se quer’, versão de Nelson Motta para ‘All ask of you’, da trilha sonora original do musical ‘O fantasma da Ópera’. Tudo lindo, exceto a inclusão de ‘E-mail’, inédita de Altay Velloso, cuja letra soa banal e mal resolvida. No bis, a inevitável ‘Saigon’ (Paulo César Feital/ Carlão/ Cláudio Cartier), gravada por Emílio em 1999 no segundo volume da série ‘Aquarela brasileira’, fez a alegria do público.
Uma das melhores vozes masculinas da MPB, Emílio investe num repertório mais sofisticado desde que encerrou o bem sucedido projeto ‘Aquarelas’. Gravou tributos ao ídolo Dick Farney (‘Perdido de amor', em 1995) e ao compositor Gonzaguinha (‘Um sorrio nos lábios’, em 2001), registrou o encontro com João Donato, autor recorrente em sua discografia e, depois do ótimo ‘De um jeito diferente’, acaba de lançar ‘Só danço samba’ (Santiago Music/ Universal Music). Belos títulos da obra de um cantor naturalmente popular.

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