João Bosco encerrou a turnê do show baseado em seu mais recente CD ‘Não vou pro céu, mas também já não fico no chão’, neste sábado, dia 11 de dezembro, no Teatro Rival Petrobrás. Acompanhado pelo afiado trio formado pelos músicos Ricardo Silveira (violão e guitarra), João Batista (baixo) e Kiko Freitas (bateria), o cantor e compositor mineiro fez um show impecável onde priorizou as músicas do disco lançado em junho de 2009, considerado um dos melhores de sua carreira.
Intercalando lados ‘B’ de sua discografia, com destaque para as faixas do CD ‘Zona de Fronteira’ (1991) e as novas canções, João transpôs para o palco a onda jazzística que vem crescendo em seus trabalhos mais recentes.
A despeito das efemérides lembradas pelo público – os cem anos da Revolta da Chibata, tão bem cantada por ele na clássica ‘O mestre sala dos mares’ (c/ Aldir Blanc) e o centenário de Noel Rosa não provocaram mudanças no roteiro do show.
Bosco sabe do perigo dessas opções num momento em que o público quer mais do mesmo. “Um pouquinho de paciência porque tem músicas novas”, pediu logo após o primeiro número, ‘Trem bala’ (c/ Antônio Cícero/ Wally Salomão), espécie de carta de intenções do que seria ouvido a seguir: “Inventar novas metas e setas que vão disparar novos corações”.
Outras setas disparadas em ‘Zona de fronteira’ transpassaram a noite. As belas parcerias com Antônio Cícero e Wally Salomão, ‘Holofotes’, gravada por Gal Costa no CD ‘Plural’, e ‘Saída de emergência’.
Os poetas Cícero e Salomão, aliás, parecem abrir caminho, em 1991, para a futura parceria de João e seu filho, o poeta e ensaísta Francisco Bosco, inaugurada no CD ‘Mil e uma aldeias’, seis anos mais tarde. Esse encontro familiar provocou mudanças na obra de João que passou a exibir refinamento e sofisticação que o distanciaram do popular. Das novas, a sincopada ‘Tanajura’ (“Eu bobo, babo e caio/ Engasgo na gagueira”), a bossa novista ‘Perfeição’ e a resignada ‘Tanto faz’ são destaques.
Novos parceiros são apresentados. Carlos Rennó na cinematográfica ‘Pintura’, e Nei Lopes que recoloca João na temática africana tão cara à sua carreira, em ‘Jimbo no jazz’, uma intricada letra capaz de entortar até mesmo intérpretes experientes.
O compositor também exercita (mais) o (bom) intérprete ao dar novo sabor ao Vatapá caymmiano abusando da percussão onomatopaica característica. Já ‘Lígia’ (Tom Jobim) perde um pouco do seu clima sedutor original pelo arranjo jazzístico, com direito a longa passagem instrumental.
A parceria histórica com Aldir Blanc, retomada após hiato de 22 anos, rende grandes momentos a partir da bela e barroca ‘Navalha’ (“Ai, eu fui crucificado/ nos cravos do teu amor”), senha para o set de composições da festejada dupla.
‘Sonho de caramujo’, com ares de samba de enredo – de onde saiu o título do disco – é a que mais se parece com a produção feita nos anos 70, quando eles forneceram pérolas para Elis Regina. Como ‘Caça a raposa’ (c/ Aldir Blanc) que deu nome ao disco lançado por João em 1975, o mesmo das antológicas ‘De frente pro crime’, ‘Dois pra lá dois pra cá’, ‘Kid Cavaquinho’ e ‘O mestre sala dos mares’.
Próximo do fim, João finalmente joga para a platéia que delira com ‘Desenho de giz’ (c/ Abel Silva) e ‘Jade’, mas mesmo ali coloca uma pedra no meio do caminho óbvio dos sucessos recitando trecho de ‘Beirando a rumba’ (c/ Francisco Bosco), faixa do CD ‘Na esquina’ (2000): “Minha sabedoria é um punhado de segredos mortos/ O que descobri até hoje, os tesouros que roubei/ Nenhum deles brilhou mais do que um único dia”, entrega.
Na sequência vêm os clássicos ‘Corsário’ (c/ Aldir Blanc), ‘Quando o amor acontece’ (c/ Abel Silva) e ‘Papel marchê’, a parceria com Capinam, lançada no já distante ano de 1984, no disco ‘Gagabirô’, que ganhou versão dos pagodeiros do Grupo Raça, no auge do pagode romântico, quando João ainda frequentava as paradas de sucesso das rádios brasileiras.
A qualidade das músicas apresentadas é tamanha que toca corações insuspeitos como o de uma das garçonetes do teatro que recomendou atenção à música que “mistura jongo e jazz, muito boa”. Pensando bem, João Bosco continua popular, só não ouve quem não quer.
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