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CD Sambas de enredo 2011: Beija-Flor, Mangueira e Vila Isabel saem na frente

Lançado na última semana de novembro, o CD oficial das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro (Universal Music) traz os doze sambas de enredo que serão defendidos pelas agremiações no desfile do Carnaval 2011.
Mais uma vez a gravação aconteceu na Cidade do Samba, com as baterias e coros de cada escola, na tentativa de aproximar o resultado final do clima quente que envolve a Avenida Marquês de Sapucaí. Essa ‘emoção fabricada’ em nada acrescenta, em alguns momentos os corais chegam a abafar as baterias. O registro com a primeira passagem feita pelo intérprete antes da entrada do coro, na segunda, ainda parece ser o mais adequado.
Não há intervalo entre as faixas, elas são separadas por aplausos. No final de cada uma o intérprete da escola anuncia o intérprete seguinte. As novidades param aí, o andamento continua acelerado e não há um samba que se destaque dos demais.
Os compositores se limitam a descrever as sinopses feitas pelos carnavalescos, deixando de lado qualquer lampejo de criatividade e poesia. A produção industrial dá o tom de sambas que chegam a ter 14 autores (!) transformando a velha parceria em um verdadeiro condomínio, caso do samba da São Clemente.
Logo na primeira faixa, o locutor oficial da Riotur, Jorge Perlingeiro, anuncia a atual campeã do Carnaval, Unidos da Tijuca, que abre o CD com um samba (‘Esta noite levarei sua alma’) que não se diferencia muito dos hinos apresentados pela escola nos últimos anos. Mas não se engane: o desprezado samba de 2010 fez bonito na Avenida e todos cantaram seu refrão, empolgados pelas inovações carnavalescas (?) de Paulo Barros.
A Grande Rio surpreende com o samba sobre os encantos de Florianópolis, ‘Y-Jurerê Mirim – A encantadora ilha das bruxas’. Os dois refrãos se destacam, com alguma vantagem para o segundo. O enredo patrocinado desta vez não causa vergonha como o do ano passado, quando a escola terminou em segundo lugar mesmo tentando transformar a pista em extensão do camarote da Brahma.
Uma renovada Beija-Flor se apresenta em seguida. A “simplicidade de um Rei” parece ter inspirado a escola de Nilópolis que há anos apresentava sambas pesados, marcados pelo tom épico (também deixado de lado) de Neguinho – o melhor é que finalmente não se ouve falar em Egito! O bom samba ainda tem o mérito de não listar simplesmente nomes de composições do homenageado, armadilha comum nesse tipo de enredo.
Prejudicado pelo andamento acelerado da gravação, o samba da Vila Isabel (‘Mitos e histórias entrelaçadas pelos fios de cabelo’) tem tudo para crescer na Avenida, ao contrário do que aconteceu com o elogiado samba de Martinho da Vila sobre o centenário de Noel. A diversão parece garantida no desfile da Vila.
Finalmente o Salgueiro parece ter desistido de (tentar) bisar o ‘Ita’ e apresenta um samba competente (‘Salgueiro apresenta: O Rio no cinema’) cuja letra nos faz imaginar o que acontecerá na Avenida, com o King Kong escalando o relógio da Central do Brasil, por exemplo. Infelizmente o modismo de se reunir vários intérpretes para o registro do samba de enredo vai se espalhando. Depois da Mangueira e do Império Serrano, é a vez da vermelha-e-branca da Tijuca convocar Serginho do Porto e Leonardo Bessa para dividirem os vocais com Quinho. Tal expediente tirou um pouco da identidade criada por Quinho no Salgueiro.
Depois de ignorar o centenário de Cartola, causando descontentamento entre a ala mais conservadora da escola, a Mangueira faz seu mea culpa homenageando outro baluarte, Nelson Cavaquinho. Curiosamente o samba composto pelos paulistas Cesinha Maluco, Alemão Xavier, Te e Baiano soa tradicional. O explosivo primeiro refrão devidamente destacado pelos “três tenores” Luizito, Zé Paulo Sierra e Ciganerey pode conquistar as arquibancadas. Sem desmerecer os outros, Luizito deveria ocupar o posto de único intérprete da escola.
A Mocidade Independente de Padre Miguel vem tentando arduamente resgatar sua identidade, mas ainda não foi desta vez. O samba (‘Parábola dos divinos semeadores’) nos faz ter saudades de grandes passagens da escola como ‘Como era verde o meu Xingu’ e ‘Ziriguidum 2001’ – só para citar dois clássicos da verde-e-branca.
Ao cantar a religiosidade do povo brasileiro em ‘Brasil de todos os deuses’ este ano, a Imperatriz Leopoldinense mostrou um samba de enredo com cara de clássico que, curiosamente, não funcionou na Avenida. A escola de Ramos volta a apostar num samba cadenciado e melódico (‘A Imperatriz adverte: sambar faz bem à saúde’) para a disputa do próximo Carnaval. Os compositores conseguiram criar um belo samba apesar da dificuldade do tema.
A Portela não foi feliz na escolha do hino de 2011. ‘Rio, azul da cor do mar’ poderia se tornar mais um clássico como o memorável ‘Das maravilhas do mar fez-se o esplendor de uma noite’, mas as imagens sugeridas na letra mediana não emocionam. Nem mesmo o eficiente Gilsinho consegue valorizar o samba.
Maria Clara Machado é novamente homenageada na Sapucaí. Depois da Unidos do Jacarezinho, em 1992 e da União da Ilha, em 2003, é a vez da Unidos da Porto da Pedra que conseguiu produzir um samba correto (‘O sonho sempre vem pra quem sonhar’), com destaque para a boa interpretação de Luizinho Andanças.
Ito Melodia mais uma vez consegue imprimir qualidade ao samba da União da Ilha do Governador. Herdeiro do grande Aroldo Melodia, Ito é um dos compositores de ‘O mistério da vida’, simpático samba que, apesar de sofrer com o andamento acelerado, tem a cara da escola que se sagrou por seus enredos criativos e empolgantes.
Como já citado, o samba da São Clemente possui 14 compositores, resultado da junção duas parcerias. A escola da zona sul carioca terá que sambar muito para permanecer no Grupo Especial.
Antigo campeão de vendas, o CD oficial das escolas de samba perdeu importância comercial nas duas últimas décadas, mas é o registro oficial dos sambas de enredo e das mudanças pelas quais este vem passando ao longo dos anos Dos enredos históricos, quase solenes, à adaptação aos novos tempos trazidos pela figura do carnavalesco. O visual tomou conta do espetáculo e o samba de enredo virou mero coadjuvante, ainda que algumas vezes consiga driblar o padrão vigente. Mas isso é coisa cada vez mais rara.

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