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Registro de 'Em boa companhia', de Simone, mostra show afinado


Quando Simone estreou o show ‘Em boa companhia’, em setembro de 2009, no Canecão (RJ), eram nítidos alguns deslizes no roteiro baseado no então recém lançado CD ‘Na veia’. Nada que comprometesse o resultado final. Em excelente forma física e vocal; vinda de ‘Amigo é casa’, show memorável feito em parceria com Zélia Duncan; a cantora se mostrava renovada e visivelmente feliz. Gravados ao vivo em abril de 2010 no Teatro dos Guararapes, em Olinda (PE), os luxuosamente embalados CD duplo e o DVD (gravadora Biscoito Fino) mostram a evolução do espetáculo após os necessários ajustes. Saíram ‘Elegia’ (Péricles Cavalcanti/ Augusto de Campos) e ‘Diga lá coração’ (Gonzaguinha) e entraram ‘Ive Brussel’ (Jorge Ben Jor), ‘Fullgás’ (Marina e Antônio Cícero) e ‘Nada por mim’ (Paula Toller/ Herbert Vianna).
Acompanhada por Julinho Teixeira (direção musical, teclados e acordeom), Walter Villaça (guitarra e violões), Fernando Souza (baixo), Carlos Bala (bateria) e Sidinho Moreira (percussão), Simone agrada aos mais nostálgicos e aos fãs de primeira hora com antigos sucessos como ‘Face a face’ (Sueli Costa/ Cacaso) e ‘Tô que tô’ (Kleiton/ Kledir) – que abre o espetáculo – e recria, com muita propriedade, hits alheios como ‘Perigosa’ (Rita Lee/ Roberto de Carvalho/ Nelson Motta) e ‘Chuva, suor e cerveja’ (Caetano Veloso) em interessantes versões intimistas. Acostumada a trafegar entre a MPB e a canção mais popular – o que já chegou a afastar admiradores mais radicais – ela acerta novamente nas versões de ‘Certas coisas’ (Lulu Santos/ Nelson Motta) e do samba ‘Deixa eu te amar’ (Agepê/ Mauro Silva/ Camilo). O ponto alto, porém, é a interpretação de ‘Fullgás’: o sucesso de Marina Lima parece feito sob medida para a voz quente da baiana. A sensualidade transparece também em ‘Paixão’, de Kledir Ramil, com arranjo inspirado na gravação feita em 1983 para o disco ‘Delírios e delícias’.
Faixas que já chamavam atenção no CD ‘Na veia’, ‘Certas noites’ (Dé Palmeira/ Adriana Calcanhotto) e ‘Love’ (Paulo Padilha) soam mais sedutoras, assim como ‘Na minha veia’, samba de Zé Catimba e Martinho da Vila que ganhou novas cores depois de um ano de estrada. Alternando momentos mais suaves (‘Hóstia’ e ‘Migalhas’, ambas de Erasmo Carlos, a primeira em parceria com Marcos Valle) com outros calcados na latinidade (‘Geraldinos e Arquibaldos’ e ‘Ai, ai, ai’, de Gonzaguinha e Ivan Lins/ Vitor Martins, respectivamente) o show ainda carece de uma tensão mais dosada, de um maior equilíbrio: a sacudida ‘Lá vem a baiana’ (Dorival Caymmi) corta o barato da já citada ‘Face a face’, por exemplo.
As dimensões do palco do Guararapes evidenciam a fraca direção de José Possi Neto, e mesmo o belo cenário torna-se pequeno naquela imensidão, fazendo com que a câmera dê muitos closes que mostram a maquiagem (um pouco) acentuada para a gravação. Detalhes que não tiram o prazer de constatar o bom momento da Cigarra que, aos 37 anos de carreira, tem muitos verões pela frente.

Comentários

novoluar disse…
Boa análise! Também concordo que o show merecia um roteiro mais articulado... Brasil O Show, outro espetáculo dirigido por Possi Neto, tinha segmentos definidos, alternando atmosferas e ritmos. Aqui a Cigarra canta melhor ainda, mas não tem uma 'linha narrativa' definida.

Grande abraço!

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