Pular para o conteúdo principal

O nome dela é Gal!


Seguindo a busca por tesouros em seu baú, a Universal Music põe nas lojas esta semana a caixa ‘Gal total’ com 15 títulos gravados por Gal Costa na então gravadora Philips/Polygram. Ficaram de fora ‘Tropicália’, ‘Temporada de verão’ e ‘Doces Bárbaros’. Um CD duplo apropriadamente chamado ‘Divina, maravilhosa’, de raridades, completa o lançamento tão aguardado pelos fãs. A maioria dos discos contidos em ‘Gal total’ resistiu (muito) bem ao tempo, talvez ‘Baby Gal’ (1983) – seu último trabalho na Polygram – seja exceção com seus arranjos calcados nos teclados que marcaram a década de 1980.
O começo manso, ao lado do amigo de sempre, Caetano Veloso, em ‘Domingo’ (1967) trazia o frescor da jovem de 22 anos, apaixonada pela Bossa Nova e, mais ainda, por João Gilberto, em faixas como ‘Coração vagabundo’ (Caetano Veloso) e ‘Candeias’ (Edu Lobo). Em 1969 sai ‘Gal Costa’, de ‘Divino maravilhoso’ (Caetano Veloso/Gilberto Gil), ‘Baby’ (Caetano Veloso), ‘Não identificado’ (Caetano Veloso) e ‘Que pena’ (Jorge Ben Jor). No mesmo ano o psicodélico ‘Gal’ aponta novos rumos para a carreira da artista, o canto rasgado mostrado em ‘Divino maravilhoso’ volta à cena. Destaque para ‘Cinema Olímpia’ (Caetano Veloso) e para a primeira versão de ‘Meu nome é Gal’ (Roberto Carlos/Erasmo Carlos), que passaria a ser sua assinatura musical.
A partir de ‘Legal’ (1970), que trouxe ‘London, London’, canção de exílio de Caetano, Gal Costa fez de seu canto atitude política. Virou musa da contracultura e lançou o show ‘Fa-tal – Gal a todo vapor’, um marco em sua carreira. No repertório novos compositores como Luiz Melodia (‘Pérola negra’), Jards Macalé e Waly Salomão (‘Vapor barato’) apareciam lado a lado com representantes da velha guarda da música popular brasileira, como Ismael Silva (‘Antonico’) e Geraldo Pereira (‘Falsa baiana’). O disco duplo homônimo, gravado ao vivo, é considerado por muitos o melhor da cantora. O sucesso foi tamanho que somente em 1973 ela voltaria a gravar. A provocante capa de ‘Índia’ chamou a atenção da censura e o álbum foi vendido com uma tarja preta cobrindo a sensualidade da cantora, que ostentava minúscula tanga vermelha. Isso era arte, conceito; os departamentos de marketing ainda comandavam as gravadoras.
O canto sofisticado de ‘Cantar’ (1974) anunciava novas mudanças. Produzido por Caetano Veloso e Perinho Albuquerque, o disco traria gravações definitivas (‘Barato total’, de Gilberto Gil), delicadezas (‘Até quem sabe’, de Lysias Ênio e João Donato) e outras belezas (‘Canção que morre no ar’, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli). Afinação inigualável de uma cantora moderna, equilibrando tradição e novidade. Após o encontro com Caetano e Gil no ‘Temporada de verão’, gravado ao vivo em Salvador, ainda em 1974, ela ainda participou do histórico ‘Doces Bárbaros’. Outra preciosidade surgiu em 1976: ‘Gal canta Caymmi’. É impressionante como a sonoridade deste disco permanece atual. Se o registro de ‘Só louco’ virou clássico, outros como ‘Vatapá’, ‘Rainha do mar’ e ‘O vento’ deveriam servir de lição básica para qualquer cantora que queira se aventurar a cantar Dorival Caymmi. Difícil chegar perto.
No incompreendido ‘Caras e bocas’ (1977) Gal dá adeus à figura hippie, meio mambembe. A despedida se faz em alto e bom som: ‘Negro amor’, versão de Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti para ‘It’s all over now, baby blue’, de Bob Dylan e ‘Tigresa’, outra do baiano, são destaques. A intersecção com o repertório de Dalva de Oliveira em 1978 foi determinante para a transformação do canto de Gal Costa. A partir de ‘Olhos verdes’ (Vicente Paiva), primeira faixa de ‘Água viva’, a cantora nunca mais foi a mesma de antes. Surgia ali a grande dama da canção, capaz eternizar ‘Folhetim’ (Chico Buarque) e ‘Pois é’ (Tom Jobim/Chico Buarque), aliás, que belíssima estreia na obra de Chico.
‘Gal Tropical’ (1979), com direção de Guilherme Araújo e Roberto Menescal, logo se torna um novo clássico na discografia da artista. Com músicas do repertório do show homônimo, o disco trouxe ‘Força estranha’ (Caetano Veloso) e ‘Juventude transviada’ (Luiz Melodia), além de rebobinar ‘Índia’ (Guerreiro/Flores) e ‘Meu nome é Gal’. Estava criada a cantora profissional.
Dedicado à obra de Ary Barroso, o segundo songbook de Gal, ‘Aquarela do Brasil’ (1980), confundiu a cabeça daqueles que ainda não estavam acostumados à nova fase. Mais uma vez a cantora brilhou nas interpretações de ‘Tu’, ‘Já era tempo’ (Ary Barroso/Vinicius de Moraes) e ‘Camisa amarela’.
No ano seguinte o disco baseado no show ‘Fantasia’, massacrado pela crítica especializada, torna-se um campeão de vendas. A Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) lhe concede o Prêmio de Melhor Cantora. Ouvido hoje, ‘Fantasia’ mais parece uma coletânea tantos são seus sucessos: ‘Festa do interior’(Moraes Moreira/Abel Silva), ‘Açaí’ (Djavan’), ‘Meu bem, meu mal’ (Caetano Veloso), ‘Faltando um pedaço’ (outra de Djavan) e ‘O amor’ (Caetano Veloso e Ney Costa sobre poema de Wladimir Maiakovski). A receita certeira é usada novamente em ‘Minha voz’ (1982), que manteve a carreira da cantora em alta nas FMs com ‘Azul’ (Djavan), ‘Dom de iludir’ (Caetano Veloso) e ‘Luiz do sol’ (Caetano Veloso), além de ‘Verbos do amor’ (João Donato/Abel Silva). A saída da gravadora Polygram se dá com ‘Baby Gal’, onde se destacam ‘Eternamente’ (Tunai/Sergio Natureza/Liliane) e ‘Mil perdões’ (Chico Buarque).
‘Divina, maravilhosa’ traz como raridades os fonogramas lançados em forma de compactos. Alguns registros como os de ‘Vapor barato’ e ‘Clariô’ (Péricles Cavalcanti) são diferentes daqueles que constam nos discos de carreira. As músicas para o Carnaval, bem antes do sucesso nacional de ‘Festa do interior’ (na verdade uma música para os festejos juninos) também são destaque: ‘Barato modesto’ (Caetano Veloso), ‘Sem grilos’ (Caetano Veloso/Moacyr Albuquerque) e ‘Estamos aí’ (Edil Pacheco/Paulinho Diniz). As inclusões de ‘Sonho meu’ (Ivone Lara/Delcio Carvalho) e ‘Detalhes’ (Roberto Carlos/Erasmo Carlos), com Maria Bethânia e Erasmo Carlos respectivamente em nada acrescentam à coletânea. Intérprete generosa, Gal Costa tem inúmeras participações em discos de colegas que por si só, já renderiam um ou dois CDs.
Frequentemente atacada pela mídia por falta ou excesso de ousadia, Gal continua sendo referência par incontáveis cantoras. De Baby do Brasil à Marisa Monte, de Roberta Sá à Tulipa Ruiz. Inexplicavelmente muitas dessas vassalas negam a influência real. Em algum momento ser fã declarado da maior cantora do Brasil tornou-se motivo de reticências, sobretudo entre os “moderninhos” de plantão. Um novo disco de inéditas, produzido por Caetano e Moreno Veloso, já foi anunciado por Gal, que parece estar blindada contra a má vontade da imprensa. Não há condescendência quando se trata desta baiana que mudou a história das cantoras da música popular brasileira.

Comentários

ADEMAR AMANCIO disse…
Que força estranha tem esta gal?não é por nada,mas "cinema olímpia" é da elis.viva gal e elis.

Postagens mais visitadas deste blog

Joias musicais de Gilberto Gil são reeditadas

               A Universal Music reabre seu baú de preciosidades. Desta vez, a dona do maior acervo musical do país, traz duas joias do cantor, compositor e violonista Gilberto Passos Gil Moreira, recentemente eleito imortal pela Academia Brasileira de Letras. De 1971, o disco londrino, ‘Gilberto Gil’, reaparece em nova edição em vinil, enquanto ‘Refestança’, registro do histórico encontro de Gil e Rita Lee, de 1977, finalmente ganha versão digital.             Gravado durante o exílio do artista baiano em Londres, o quarto LP de estúdio de Gilberto Gil foi produzido por Ralph Mace para o selo Famous e editado no Brasil pela Philips, atual Universal Music. O produtor inglês também trabalhava com Caetano Veloso, que havia lançado seu primeiro disco de exílio no mesmo ano. Contrastando com a melancolia expressada por Caetano, Gil fez um álbum mais equilibrado, dosando as saudades do Brasil...

50 anos de Claridade

Clara Nunes (1942 – 1983) viu sua carreira deslanchar na década de 1970, quando trocou os boleros e um romantismo acentuado pela cadência bonita do samba, uma mudança idealizada pelo radialista e produtor musical Adelzon Alves. Depois do sucesso do LP ‘Alvorecer’, de 1974, impulsionado pelas faixas ‘Menino deus’ (Mauro Duarte/ Paulo César Pinheiro), ‘Alvorecer’ (Délcio Carvalho/ Ivone Lara) e ‘Conto de areia’ (Romildo/ Toninho Nascimento), a cantora mineira reafirmou sua consagração popular com o álbum ‘Claridade’. Lançado em 1975, este disco vendeu 600 mil cópias, um feito excepcional para um disco de samba, para uma cantora e, sobretudo, para um disco de samba de uma cantora. Traço marcante na trajetória artística e na vida de Clara Nunes, o sincretismo religioso está presente nas faixas ‘O mar serenou’ (Candeia) e ‘A deusa dos orixás’, do pernambucano Romildo e do paraense Toninho Nascimento, os mesmos autores de ‘Conto de areia’. Eles frequentavam o célebre programa no qual Adelzon...

Atrás do Trio Elétrico*

A menos de dois meses do Carnaval, os ensaios técnicos na Marquês de Sapucaí e nas quadras das escolas de samba bombam e os blocos de rua se preparam. Mas existe uma turma de foliões que foge da batucada carioca, preferindo o agito baiano, embalados pelos trios elétricos. “Se você for sozinho vai encontrar muito carioca por lá”, diz o comerciante Roberto Alves, 32 anos, apaixonado pelo Carnaval da Bahia. Para ele, falta a organização na folia do Rio. “Fiquei aqui em 2008 e detestei”, conta o moço que participou de sua primeira micareta (Carnaval fora de época) em 1996, em Belo Horizonte. “Tenho uns cem abadás”, gaba-se Roberto, que já garantiu mais alguns para este ano. Outro carioca, Rodrigo Carvalho, 28 anos, começou a pagar pelos abadás em março do ano passado. “Vou para Salvador há quatro anos seguidos. O clima é ótimo, não é pesado como nas raves”, compara ele, que dividirá um apartamento com 14 amigos durante a folia dos trios. “O mais requisitado é o Me Abraça, o abadá cu...