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A voz de uma pessoa vitoriosa

Na busca por eventuais consumidores as gravadoras apostam suas (últimas?) fichas em seus valiosos baús. A preciosidade da vez é o CD 'Sabiá Marrom - O samba raro de Alcione' que traz à tona fonogramas esquecidos da cantora, numa bela garimpagem do jornalista Rodrigo Faour. As 20 faixas trazem sobras inéditas de discos de carreiras, gravações feitas para compactos e coletâneas quase desconhecidas.
O lançamento revive também a MPB setentista. O samba que se ouve é pré-Cacique de Ramos e o partido de Fundo de Quintal que reformatou o ritmo na década seguinte. Faixas como a irreverente 'Não suje o meu caixão' (Garrafão/ Panela), sobra do primeiro LP 'A voz do samba' (1975) e 'Tem dendê' (Reginaldo Bessa/ Nei Lopes), lançada em compacto (1973) mostram a valorização do batuque, com destaque para a cuíca.
Outra composição da dupla Bessa/Lopes, 'Figa de guiné', marca, ao lado de 'O sonho acabou' (Gilberto Gil) a estreia fonográfica de Alcione em 1972. Ainda em 73 a cantora regravou 'Desafio' (Luiz Américo/ Bráulio de Castro e Clóvis de Lima), sucesso na voz de Luiz Américo para a coletânea 'Máximo de sucessos nº 9'. A gravação de 'Linda Flor' (Henrique Vogeler/ Marques Porto/ Luiz Peixoto e Cândido Costa) que entrou no 14º disco da série provoca os ouvintes mais nostálgicos: o arranjo mostra bem porque a MPB se tornou uma das músicas mais belas do planeta.
'Festa do Círio Nazaré' (Unidos de São Carlos), 'Imagens poéticas de Jorge Lima' (Estação Primeira de Mangueira), 'O mundo fantástico do uirapuru' (Mocidade Independente de Padre Miguel) e 'O segredo das minas do Rei do Salomão' (Salgueiro) foram lançandos em um compacto duplo (1975) e também podem emocionar ouvidos saudosos. Onde foi que o gênero samba de enredo se perdeu, seu diluiu?
Quando Alcione participa do disco de algum colega, ela mostra mais uma vez porque "não é uma qualquer": os duetos com Chico Buarque ('O casamento dos pequenos burgueses', 1979) e João Nogueira ('De babado', 1981) são irretocáveis, mas o verdadeiro arraso é o bate-bola com Leci Brandão em 'Fim de festa', faixa do LP 'Essa tal criatura', lançado por Leci em 1980 que permanece inédito no formato digital. No auge vocal, as cantoras dão show.
Nem mesmo as irrelevantes versões em espanhol de 'O surdo' e 'Sufoco', feitas para o mercado hispânico, em 1980, comprometem a maravilhosa coletânea. Porém a verdadeira jóia é a faixa que dá título ao CD. A belíssima composição do maestro francês Paul Mauriat e Pierre Denaloe, inspirada na própria Alcione, ganhou letra de Totonho e Paulinho Rezende e acabou ficando de fora do LP 'Gostoso veneno' (1979). Graças ao trabalho de Faour essa raridade veio à luz. Enfim, 'O samba raro de Alcione' mostra o nascimento de uma de nossas melhores cantoras.
Embalada pelo sucesso desta produção, resta à Universal Music lançar uma caixa com os discos de carreira da Marrom. Os fãs agradecem.

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