
“Eu sou Portela/ desde os tempos de criança/
ainda guardo na lembrança/ algo e vou revelar...”. O mundo do samba respira
aliviado: o dono desses versos – responsável pelo resgate de sambas que
permaneciam obscuros, graças à sua memória prodigiosa – está de volta à ativa.
Recuperado da Síndrome de Guillan-Barré, uma inflamação aguda dos nervos
periféricos, Monarco retoma a agenda de shows e se apresenta hoje, no Circo
Voador, ao lado dos companheiros da Velha Guarda da Portela e do filho, Mauro
Diniz.
Quando a rara doença foi diagnosticada, o
sambista, de 74 anos, não conseguia mais andar. “Em julho comecei a sentir um
cansaço nas pernas que foi piorando, cheguei a levar um tombo dentro de casa.
Fiz vários exames até descobrirem o que eu tinha”. Monarco passou 12 dias
internado e recebeu 32 doses de imunoglobulina. “Passei por momentos difíceis,
mas graças a Deus está tudo bem”, comemora o sambista que, em outubro participa
de um tributo a Cartola, no Centro Cultural Light, e depois se apresenta em Brasília
e em Salvador. “Tenho fé que estarei na Avenida com a minha Portela querida”,
diz o símbolo portelense, um dos principais personagens do filme ‘O mistério do
samba’.
O show de lançamento do documentário de Lula
Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, também no Circo Voador, há três semanas,
quando se apresentou ainda debilitado, está na lembrança. “Fui lá atrás na
memória. Lutei tanto pela Portela, fico tão triste quando fazem alguma coisa
contra ela. Senti uma emoção tão grande que não consegui me conter. Junto com o
problema de saúde, havia uma mistura de felicidade e tristeza, o Circo gritando
o nosso nome”, lembra, comovido. Emoção que novamente tomará a grande lona da
Lapa, quando o líder da Velha Guarda entoar sucessos como ‘Tudo menos amor’, ‘Corri
pra ver’, ‘Vai vadiar’ e ‘Esta melodia’ – um samba de terreiro, composto por
Jamelão e Bubu da Portela, gravado por Marisa Monte e que também está no novo
disco de Zeca Pagodinho.
Memória da Portela
O sambista finalmente assistiu ao
documentário ‘O mistério do samba’ e ficou feliz com o resultado. “Está muito
bonito, simples e real. Marisa (Monte) e Paulinho (da Viola) vêm fazendo com a
Velha Guarda uma coisa tão sincera, tão honesta. Não deixando morrer os sambas
que eram feitos ali na comunidade, cantados sem se pensar em gravação, em
sucesso”, avalia.
Conversar com Monarco é mergulhar no universo
que seduziu Marisa. “Naquele tempo não tinha dinheiro como tem hoje, mas havia
uma coisa mais sincera sabe? Quando cheguei à Portela, o contingente da escola
era de 300 pessoas, todos se conheciam”, recorda. “Seu Rufino, o primeiro
tesoureiro, pagou 90 passagens de trem na estação de Oswaldo Cruz, para os
componentes da escola em um desfile. Essa era a Portela em 1929... A gente
sente saudades”, diz o mestre com o olhar distante.
Outros companheiros também ficaram na
lembrança. “João da Gente, Vicentino, Ventura, Alvaiade, Manacéa, foram todos
embora. Daquela turma, quem está aí somos eu e o Casquinha”, completa. Mas
existe renovação na Velha Guarda: Serginho Procópio, Áurea Maria, Neide Santana
e Timbira dão expediente no grupo. “Mas só veste o fardão quem tem um passado,
não é qualquer um”, avisa o guardião da azul-e-branco. “Tomo mundo fala que o
Brasil é um país sem memória, não quero minha escola sem memória. Quero que os
jovens saibam quem foi Paulo da Portela”, afirma. Muitos já sabem, Monarco,
graças a você!
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